O aquarismo é um nicho do mercado pet que vem apresentando um crescimento expressivo nos últimos anos, e este segmento ganhou ainda mais relevância durante a pandemia da Covid-19.
De acordo com dados recentes do IBGE, a criação de peixes ornamentais no país é o passatempo de aproximadamente 11 milhões de brasileiros.
Inclusive, existem diversas vantagens dos peixes em relação à outros pets, pois requerem pouco espaço, demandam menos cuidados, não produzem ruídos nem espalham fezes pela casa, além da facilidade na aquisição de equipamentos (como sistema de filtragem, iluminação e aquecimento), e de contribuir para o alívio do estresse.
No mundo, segundo a Euromonitor International, a população pet em 2019 compreendia cerca de 1,6 bilhões de animais, e, desse total, cerca de 40% (aproximadamente 649 milhões) eram de peixes ornamentais.
O segmento de peixes ornamentais movimenta bilhões de dólares anualmente ao redor de todo o mundo. No Brasil, a piscicultura ornamental tem crescido e investido em tecnologia para atender a frequente demanda do mercado por animais de qualidade e na busca por novidades.
De acordo com dados da Associação de Criadores e Aquaristas do Brasil (Acquabras), durante o período prolongado de pandemia, a cadeia produtiva da aquicultura ornamental no país obteve crescimento de 5% em 2020, sendo a categoria de animal pet mais comercializado neste intervalo.
Esses números só evidenciam o imenso potencial dessa atividade no Brasil, que é considerado o celeiro internacional de espécies de interesse do setor de organismos aquáticos ornamentais.
Entretanto, a produção de peixes ornamentais em cativeiro ainda está muito aquém daquela praticada em outros países. Além disso, algumas espécies ornamentais nativas que abastecem o mercado internacional são provenientes da pesca extrativa, o que vai completamente contra o modelo de sustentabilidade preconizado atualmente.
Minas Gerais: polo de produção de peixes ornamentais
A região da Zona da Mata, em Minas Gerais, é o maior fornecedor nacional de peixes ornamentais (de água doce) do Brasil.
Para se ter uma ideia, a cidade de Muriaé, líder no setor, é responsável por cerca de 90% dos peixes ornamentais nacionais criados no Brasil, com aproximadamente 12 milhões de unidades vendidas por ano.
Essa região se destaca devido ao apoio de profissionais, técnicos, universidades, centros de pesquisa, órgãos de extensão e associações de piscicultores, que são fundamentais no auxílio técnico aos piscicultores; além da troca de informações, tendo em vista a elevada quantidade de produtores e entusiastas dessa atividade.
Outro aspecto importante é a localização estratégica desta região, pois se encontra relativamente próxima aos principais polos de distribuição: São Paulo e Rio de Janeiro.
Já a região Norte e Nordeste são caracterizadas pela pesca extrativista de organismos aquáticos marinhos. Destaque para o estado do Ceará, que, além de apresentar condições favoráveis à produção de peixes ornamentais, recebe incentivo à atividade por parte do poder público.
Principais polos de comercialização de organismos ornamentais
No Brasil, os principais polos de consumo de peixes ornamentais concentram-se na região Sudeste (SP, RJ, e MG), com 63% do mercado consumidor, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet).
Porém, é um mercado que vem crescendo em outras capitais e cidades de grande porte, devido ao ingresso de novos aquaristas e hobistas, o que tem estimulado o surgimento de novos entrepostos de varejo no segmento de aquarismo.
Somado a isto, uma quantidade cada vez maior de lojas especializadas têm atuado na modalidade de comércio eletrônico (e-commerce) de peixes ornamentais, promovendo agilidade nas entregas das encomendas, o que tem viabilizado o aquarismo em cidades no interior do país.
Dessa forma, a manutenção de peixes ornamentais e aquários vem crescendo, estimulando indiretamente essa atividade do agronegócio no Brasil.
Importância das espécies brasileiras no mercado internacional de piscicultura ornamental
As estatísticas brasileiras de exportação de organismos aquáticos ornamentais não são claras com relação ao montante de peixes comercializados ou a quantidade comercializada de cada grupo de espécies.
Isso torna difícil saber a quantia exata em número, o valor médio obtido por exemplar nas transações comerciais ou qual é o grupo de espécies de maior importância.
Sabe-se que existem determinadas espécies de peixes que despertam mais interesse do mercado externo, como o neon-cardinal (em volume comercializado) e as arraias de água doce (em valor comercial).
Um dos grandes problemas enfrentados é o fato de espécies ornamentais muito valorizadas no mercado internacional serem comercializadas e exportados por preços muito abaixo daqueles obtidos pelos importadores e distribuidores internacionais.
Um ótimo exemplo é o cascudo-royal L-27 (Panaque armbrusteri), que é obtido por extrativismo e vendido no Brasil aos atravessadores, com tamanho entre 20 cm e 25 cm, entre US$ 4,00 e US$ 8,00 cada, e comercializado por atacado em Portugal por US$ 460,00 cada exemplar.
Principais entraves para o crescimento da piscicultura ornamental no Brasil
O cultivo de peixes ornamentais no Brasil ainda é de certa maneira marginalizado, com grande quantidade de micro e pequenos produtores sem qualquer registro.
Para o exercício legal da atividade, é necessário que os piscicultores estejam devidamente inscritos no Mapa, no Registro Geral da Atividade Pesqueira (RGP), na categoria Aquicultor. Porém, essa inscrição não distingue as diferentes modalidades, como peixes de corte ou de ornamentação.
Atualmente, os principais obstáculos enfrentados por aquicultores e empreendimentos de comercialização de peixes ornamentais no país são (CARDOSO et al., 2021):
- Falta de alinhamento das normativas dos diferentes órgãos que atuam na regulamentação do setor, o que torna o processo de regularização e legalização dos empreendimentos moroso e oneroso;
- Caracterização incipiente do setor produtivo e dos elos de comercialização, deixando o segmento de peixes ornamentais sem visibilidade frente à sua importância social e econômica para o agronegócio e a aquicultura no Brasil;
- Fragilidade dos mecanismos de monitoramento e informações estatísticas atualizadas sobre o setor, impossibilitando a visualização de seu avanço quantitativo e da movimentação financeira;
- Ausência de linhas de crédito rural para a piscicultura ornamental, como um modelo de negócio de baixo risco e elevada agregação de valor, especialmente no caso da agricultura familiar, deixando o pequeno agricultor desamparado, sem apoio com crédito de custeio para reforçar o potencial da atividade, sendo custeada com recursos próprios;
- Baixo incentivo à produção comercial de espécies de peixes ornamentais nativas, com foco no mercado internacional, ao invés da produção de espécies exóticas para o mercado nacional, deixando o país em desvantagem competitiva quando comparado aos demais países produtores e exportadores de peixes ornamentais.
Piscicultura ornamental: perspectivas para o setor
A aquicultura ornamental é uma atividade extremamente promissora e tem muito a contribuir ao agronegócio brasileiro, assim que solucionados os principais entraves legais que ainda dificultam sua ampliação e consolidação, a exemplo do que já ocorre em importantes regiões no mundo, como Europa e Ásia.
A cadeia produtiva de organismos aquáticos ornamentais e de aquariofilia precisa passar por um processo de regularização juntamente com os órgãos de fomento e de controle da atividade, para que o poder público possa entender as dimensões e as necessidades dessa cadeia.
Ainda, cabe aos setores da aquicultura brasileira aperfeiçoar as técnicas de produção de espécies de peixes ornamentais de maior interesse comercial, para as populações nos locais de coleta e próximas aos mercados consumidores, para potencializar a produção de espécies mais valorizadas no mercado internacional.
O desenvolvimento e a consolidação do setor de aquicultura ornamental de maneira mais ampla no território nacional possibilitarão reduzir os impactos ambientais e sobre a ictiofauna, além de aumentar a renda das famílias envolvidas no processo produtivo.
Exportação de peixes ornamentais nativos
Uma das possibilidades para elevar a taxa de exportação do Brasil no âmbito da aquicultura seria o investimento no desenvolvimento da aquicultura de peixes ornamentais nativos para exportação.
Isso seria perfeitamente possível através da simplificação do registro e licenciamento de piscicultores de espécies nativas ornamentais, com disponibilização de mão de obra capacitada para atender ao setor.
Tendo em vista o grande número de espécies com alto valor de mercado, além das características ambientais e de qualidade de água propícias para a atividade, tornará o Brasil igualmente competitivo em relação as grandes potências produtoras de organismos aquáticos ornamentais.
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Referência
CARDOSO, R., SANTOS, F., REZENDE, F., & RIBEIRO, F. (2021). O comércio de organismos aquáticos ornamentais. Embrapa Pesca e Aquicultura.