Conheça as principais doenças da cana-de-açúcar no Brasil

Conheça as principais doenças da cana-de-açúcar no Brasil

O Brasil é o principal produtor de cana-de-açúcar no mundo. Dentre os fatores limitantes, as doenças podem reduzir a produtividade do canavial em até 60%, a depender da suscetibilidade da variedade, das doenças que estejam ocorrendo na área de cultivo e das condições climáticas.

Sendo a cana-de-açúcar uma cultura considerada semi-perene (devido ao seu cultivo que dura entre 5 e 6 anos) é importante que as doenças sejam rapidamente identificadas no canavial, a fim de evitar perdas e disseminação em larga escala.

Atualmente, a principal medida de controle para a maioria das doenças – principalmente as causadas por bactérias e vírus – é a utilização de variedades resistentes. Por isto, a identificação rápida e conhecimento sobre as doenças de ocorrência na área e região de cultivo são importantes para a escolha das variedades que serão cultivadas na área.

Confira a seguir o panorama da produção de cana no Brasil e as principais doenças que ocorrem na cultura. Boa leitura!

Panorama da produção sucroalcooleira no Brasil

Embora o último levantamento divulgado pela Conab (em agosto de 2022) aponte estimativas de produção 1% inferior à safra passada, para o próximo levantamento (que está em andamento e com data prevista para publicação no dia 22 de dezembro), estes números podem ser atualizados, muito em função da recuperação da cultura em comparação às safras anteriores.

O Brasil, assim como no cenário de produção de grãos, também é destaque na produção de cana-de-açúcar, sendo o maior produtor mundial. A cana-de-açúcar é utilizada em diversos subprodutos como o açúcar, que deverá ter produção aproximada de 33,89 milhões de toneladas nesta safra. A produção de etanol está estimada em 30,35 bilhões de litros, o que corresponde a aumento em relação à safra anterior.

Vale lembrar que o próximo levantamento pode trazer números diferentes, de acordo com as condições climáticas vigentes em cada uma das regiões produtoras.

Dentre as diferentes regiões produtoras, a região Sudeste representa 62% da produção nacional da cultura, seguida pela região Centro-Oeste. Ambas as produções se mostram animadoras, especialmente pelas boas condições climáticas observadas.

Para as regiões Nordeste, Sul e Norte, a produção da cultura é menos expressiva.

Vista aérea de área de canavial sendo colhida, com colhedora e trator com transbordo para carregamento da cana
O estado de São Paulo é o maior produtor nacional de cana-de-açúcar, com uma produção de 298,5 milhões de toneladas.

Leia também: Doenças do tomateiro: descubra mais sobre elas.

Principais fatores limitantes à produção e produtividade da cultura

Para que os números estimados para a cultura se consolidem, além das condições climáticas favoráveis:

  • com ocorrência de chuvas em volume e distribuição adequadas: volume entre 1500 a 2000 mm anuais, a depender da variedade utilizada (algumas têm bom desenvolvimento com volume anual superior a 1000 mm, desde que as precipitações sejam bem distribuídas nas estações);
  • temperaturas favoráveis (entre 30 e 34ºC, sendo que abaixo ou acima o crescimento é lento ou nulo) ao desenvolvimento da cultura e;
  • controle de pragas, plantas daninhas e doenças no canavial é indispensável.

Inúmeras doenças acometem a cultura. No mundo, já foram identificadas mais de 216. Devido às condições climáticas favoráveis no Brasil, 58 destas já foram relatadas em diferentes regiões produtoras.

Atualmente, uma das principais maneiras de controlar as doenças no canavial é o uso de variedades tolerantes ou resistentes. Esta prática é denominada manejo ou controle genético. No entanto, a tolerância ou resistência não garante que o canavial esteja livre da ocorrência de doenças. Isto porque os patógenos ainda possuem capacidade de infectar as plantas, embora em dimensões consideravelmente reduzidas.

Desta maneira, a ausência de controle adequado, mesmo com uso de cultivares ou variedades resistentes/tolerantes, pode contribuir para que estas percam essa característica tão valiosa.

Por isto, o manejo integrado de doenças (MID), com utilização de um conjunto de medidas de controle, é fundamental para assegurar a longevidade não somente do canavial, mas também do controle genético.

Principais doenças que ocorrem no canavial

As doenças que preocupam a produção sucroalcooleira podem ser causadas por fungos e bactérias, sendo as bactérias as mais preocupantes, especialmente pela ausência de medidas de controle eficientes (além do controle genético). 

A seguir, conheça as 7 principais doenças da cultura, causadas por fungos, bactérias e vírus, seus sintomas, como elas podem ser identificadas na área de cultivo e principais estratégias de controle.

Doenças causadas por fungos

Ferrugens

As principais ferrugens de ocorrência na cultura da cana são a ferrugem marrom, que foi detectada pela primeira vez no Brasil no ano de 1986 e mais recentemente, a ferrugem alaranjada, introduzida no país no ano de 2009. Esta última tem gerado preocupação, especialmente pelo potencial de dano nas áreas de produção.

Ambas as ferrugens são causadas por fungos biotróficos, ou seja, que sobrevivem em hospedeiros vivos. Como os canaviais são cultivados por períodos de 5 a 6 anos, o fungo não encontra dificuldades em se manter nas áreas de produção. 

A ferrugem marrom é causada pelo fungo Puccinia melanocephala, e é também conhecida como ferrugem-comum, ou ferrugem da cana-de-açúcar. Já a ferrugem-alaranjada é causada pelo fungo Puccinia kuehnii

Ambas podem reduzir a produtividade da cultura em até 60%, a depender da variedade utilizada e do manejo da cultura.

Ambos os fungos causam lesões semelhantes. Os sintomas iniciais da ferrugem marrom incluem lesões cloróticas que podem ser visualizadas expondo a folha contra a luz. 

Com a evolução das lesões, tornam-se alongadas, com margem irregular, alcançando de 2 a 10 mm de comprimento. A coloração das lesões evolui de amarelada-marrom para marrom-escuro, e pode ser visualizada em ambas as faces da folha.

A esporulação do fungo pode ser observada principalmente na face inferior da folha, com presença de um “pó” que é na verdade, os esporos do fungo. 

Outra característica das ferrugens é a presença de um relevo, visualizado facilmente nas folhas, decorrente da formação de pústulas onde os esporos são produzidos.

A diferença entre ambas as ferrugens é a coloração dos esporos ou do “pó” que pode ser observado ao tocar a superfície foliar. A ferrugem-alaranjada, como o próprio nome já remete, produz esporos de coloração alaranjada.

Comparativo entre os sintomas da ferrugem-alaranjada (Figura A) e ferrugem marrom (Figura B), demonstrando claramente as diferenças na coloração das lesões
Comparativo entre os sintomas da ferrugem-alaranjada (Figura A) e ferrugem marrom (Figura B), demonstrando claramente as diferenças na coloração das lesões. Fonte: Klosowski et al., 2013.

O controle das ferrugens na cana-de-açúcar se dá principalmente pelo plantio de variedades resistentes. Mas é necessário identificar corretamente se ambas as ferrugens estão ocorrendo na área de cultivo, pois as variedades podem ser resistentes para uma delas e não para a outra, comprometendo igualmente a produção.

Carvão da cana 

O carvão-da-cana-de-açúcar, causado pelo fungo Sporisorium scitamineum, foi identificado inicialmente no ano de 1953 em uma variedade de cana. No ano de 1975, verificou-se ocorrência em outra variedade e, desde então, a doença causa grandes prejuízos.

A transmissão da doença ocorre ainda por mudas, onde o fungo permanece de forma latente (sem apresentar sintomas aparentes), dificultando a visualização. No canavial é disseminado rapidamente pelo vento.

Os sintomas do carvão incluem inicialmente o espigamento do colmo e a formação de folhas mais curtas e espigadas. Posteriormente, forma-se uma estrutura alongada, semelhante a um chicote, de coloração preta e posicionada no ponteiro do colmo.

Sintomas do carvão-da-cana-de-açúcar, com formação de um chicote, folhas mais curtas e espigadas.
Sintomas do carvão-da-cana-de-açúcar, com formação de um chicote, folhas mais curtas e espigadas. Fonte: Da Silva et al., 2014.

Plantas infectadas podem apresentar redução do crescimento, os colmos tornam-se mais curtos e finos e podem ter aparência semelhante a uma touceira de capim.

Para esta doença, a aquisição de mudas sadias e certificadas é indispensável. Além disso, o uso de variedades resistentes é o método de controle mais eficiente.

Plantas infectadas devem ser retiradas do canavial, mas antes disso, o chicote produzido pelo fungo deve ser ensacado e cortado da base, para evitar que os esporos se disseminem no canavial (uma vez que cada chicote contém milhões de esporos).

Posteriormente, deve-se deixar a planta apodrecer, com o chicote ensacado, para inativação dos esporos.

Veja também: Conheça as principais doenças das palmeiras, seus sintomas e controle.

Doenças causadas por bactérias

Estrias-vermelhas

Causada pela bactéria Acidovorax avenae subsp. avenae, pode reduzir a produtividade do canavial consideravelmente. 

Pode ainda ser confundida com a falsa-estrias-vermelhas (causada pela bactéria Xanthomonas sp.). No entanto, diferencia-se desta, pois Xanthomonas spp. não causa o chamado “coração morto”.

Os sintomas observados são lesões de coloração marrom a vermelho escura, de tamanho variável, podendo alcançar toda a extensão da folha, no entanto, a concentração maior dos sintomas é na base das folhas. Quando os sintomas descem para a bainha, a doença causa o chamado “coração morto” ou morte de ponteiro.

Sintomas da estria-vermelha (a) e (c) e observação da bactéria Acidovorax avenae subsp. avenae
Sintomas da estria-vermelha (a) e (c) e observação da bactéria Acidovorax avenae subsp. avenae (b). Fonte: Li et al., 2017.

Temperaturas elevadas acompanhadas de elevada umidade relativa do ar favorecem a doença. Plantas em estádios iniciais de desenvolvimento (até seis meses de idade) são mais suscetíveis.

Outra característica da doença, quando o ponteiro é afetado, é a presença de um odor característico, fétido, decorrente do apodrecimento dos tecidos.

A transmissão da doença via mudas e tratos culturais é rara. A disseminação da doença ocorre principalmente pela entrada da bactéria por aberturas naturais ou ferimentos provocados por vento, granizo, e até mesmo pelos tratos culturais.

A medida mais eficaz de controle é o uso de variedades resistentes.

Escaldadura-das-folhas 

A escaldadura-das folhas, causada pela bactéria Xanthomonas albilineans, afeta folhas, cartuchos foliares ou ponteiros e colmos.

Os sintomas observados são lesões longas, em forma de estria, e de margens bem definidas. 

Estas lesões inicialmente são cloróticas (esbranquiçadas), e com a evolução da doença podem causar o ressecamento das folhas a partir da ponta em formato de “V”, bem como secamento de brotações laterais ou da base da touceira. 

Sintomas típicos da escaldadura-das-folhas na cana-de-açúcar, com formação de lesões estriadas e cloróticas (esbranquiçadas).
Sintomas típicos da escaldadura-das-folhas na cana-de-açúcar, com formação de lesões estriadas e cloróticas (esbranquiçadas). Fonte: Brugnera, 2016.

Outro sintoma que pode ser observado é o ressecamento e enrolamento das folhas, semelhante a uma escaldadura por água quente. Internamente, quando o colmo é dividido ao meio, podem ser observadas riscas avermelhadas.

A transmissão da doença também ocorre por mudas, por isso, a importância do uso de mudas sadias e de viveiros idôneos. A disseminação da doença também ocorre via tratos culturais, especialmente durante a colheita. 

Desta forma, na detecção da doença, é necessário utilizar um dispositivo que borrife um bactericida sobre as lâminas durante a operação, para evitar contaminação de todo canavial.

Raquitismo-da-soqueira 

O raquitismo-da-soqueira é causado pela bactéria Leifsonia xyli subsp. xyli. Pode causar perdas consideráveis, a depender da variedade utilizada e do estádio de desenvolvimento da cultura.

Os sintomas da doença são de difícil visualização, pois são identificados, a depender da severidade da infecção, na parte interna dos tecidos. Uma característica da bactéria é causar o entupimento do sistema vascular, interrompendo a passagem de água e nutrientes no xilema. 

Este entupimento provoca sintomas semelhantes ao estresse hídrico, acentuando períodos de déficit hídrico, prejudicando o desenvolvimento das plantas.

Sintomas da doença são de difícil visualização a campo, e podem incluir desenvolvimento reduzido, e alteração no diâmetro dos colmos.
Sintomas da doença são de difícil visualização a campo, e podem incluir desenvolvimento reduzido, e alteração no diâmetro dos colmos. Fonte: Urashima, 2020.

A transmissão da doença ocorre por mudas e via tratos culturais, especialmente instrumentos de corte, poda e colheita.

O controle desta doença também se dá pelo uso de variedades resistentes e pela aquisição de mudas sadias e certificadas.

Confira também: Greening: doença altamente destrutiva ameaça as lavouras de citros.

Doenças causadas por vírus

As principais doenças causadas por vírus incluem o mosaico e o amarelinho.

Mosaico 

O mosaico foi identificado pela primeira vez no Brasil em 1925 e desde então causa problemas nos canaviais em todas as regiões produtoras. O vírus causador do mosaico é o Sugar Cane Mosaic Virus, conhecido pelas siglas SCMV. Envolve um complexo de vírus do gênero Potyvirus.

Existem diversas variantes do vírus, que podem ser menos ou mais agressivas a determinadas variedades de cana.

O vírus do mosaico causa manchas de coloração amareladas (em tons claros) contrastantes ao verde saudável da folha. Folhas mais novas são mais afetadas pela doença. Outro dano provocado pelo vírus é a redução do crescimento das plantas e da sua produtividade.

Sintomas característicos do mosaico da cana-de-açúcar, com lesões amareladas intercaladas com áreas verdes saudáveis.
Sintomas característicos do mosaico da cana-de-açúcar, com lesões amareladas intercaladas com áreas verdes saudáveis. Fonte: Gonçalves et al., 2007.

Outras culturas também são afetadas pelo vírus, incluindo milho e sorgo. As perdas provocadas pela doença podem ultrapassar os 60%.

A transmissão ocorre via mudas contaminadas. A disseminação do vírus é realizada através de insetos vetores, como é o caso do pulgão do fumo, da laranja, do algodão e de diversas gramíneas. 

O pulgão-amarelo da cana não é capaz de disseminar o vírus, apenas as espécies que não são hospedeiras naturais da cana-de-açúcar.

Plantas sob estresse, jovens e de crescimento mais vigoroso são mais suscetíveis ao vírus.

Dentre as estratégias de controle, o uso de variedades resistentes, aquisição de mudas certificadas e a eliminação de plantas daninhas e gramíneas hospedeiras, além do controle do inseto vetor, são estratégias de controle para a doença.

Amarelinho 

No Brasil, o início da doença foi registrado em 1990. Nos anos seguintes, a doença se tornou epidêmica. Da mesma forma que o mosaico, o amarelinho ou síndrome do amarelecimento foliar é transmitido por afídeos (insetos vetores, como espécies de pulgões).

O vírus pertence à família Luteoviridae e os principais sintomas observados são plantas com amarelecimento, principalmente da nervura central para as partes mais baixas da planta, folhas mais velhas são mais afetadas. 

Sintoma de amarelecimento na nervura central para a parte mais baixa da planta, característico do vírus causador do amarelinho.
Sintoma de amarelecimento na nervura central para a parte mais baixa da planta, característico do vírus causador do amarelinho. Fonte: Villavicencio, 2019.

Com o avanço dos sintomas, ocorre necrose dos tecidos afetados, reduzindo o crescimento e desenvolvimento da cultura.

É importante ressaltar que o amarelinho pode ser confundido com outras doenças e estresses, como o estresse hídrico, por isto, é necessário avaliar a presença do inseto vetor, sintomas e análises laboratoriais para confirmação da doença.

Conclusão

Como visto, as doenças da cana-de-açúcar podem ser causadas por patógenos (microrganismos) distintos, como fungos, bactérias e vírus, no entanto, a sua distinção é fator chave para o planejamento de quais variedades podem ser cultivadas na área na renovação do canavial.

Sem a identificação correta das doenças, não é possível escolher a variedade mais adequada às condições da lavoura.

E então, gostou desse artigo? Acesse também o nosso post sobre as principais doenças da cultura da soja. Boa leitura!

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