Em busca de perguntas e respostas certas
Em 2019, a Fundação Instituto de Administração (FIA) organizou o evento “Seminário – Agronegócio, Comunicação e Sociedade – ‘Decifra-me ou te devoro‘”. Um espaço que discutiu, dentro do Agro, dentre outros assuntos, a máxima de que “percepção não é realidade” e a importância do conhecimento, da superação dos mitos e das ciladas que estão presentes no processo comunicacional das cadeias produtivas do Agronegócio.
Segundo os organizadores do evento, “fatos, versões e percepções se confundem quando o assunto é Agronegócio. Vieses cognitivos e ideologias assumem um protagonismo desproporcional nas narrativas, não raro em contraposição aos fatos. E no universo das percepções, muitas vezes pouco importa, de fato, o fato. Neste contexto, qual o papel da Comunicação para mitigar as enormes assimetrias informacionais entre o universo das cadeias produtivas do Agronegócio brasileiro e a sociedade de consumo global? Na ‘forma’ e no ‘conteúdo’, os atores do Agronegócio estão se comunicando de forma efetiva?”.
Excelentes colocações e questionamentos. Eles nos remetem ao cerne do que esta coluna se propôs: entender o processo histórico do Agronegócio em nosso país, a partir de olhares transversais, a fim de dar luz e trazer insigts para a Comunicação do setor e ir além das abordagens do marketing e da evolução tecnológica no campo.
Ambas são importantes para o processo comunicacional do Agro, mas são insuficientes, por si sós, no processo (in)formacional e de produção e difusão de conhecimento dentro das diferentes cadeias produtivas do setor.
No vídeo abaixo, confira como foi o seminário sobre a comunicação no agronegócio:
Desafio da comunicação no agronegócio
Em busca de formular as perguntas certas para obter as respostas que melhor nos ajudarão a chegar às soluções para uma Comunicação mais assertiva e agressiva em relação aos mercados externos, este artigo corrobora com o pensamento que o engenheiro agrônomo e professor Francisco Graziano (2021) suscita em seu novo livro “Agricultura: fatos e mitos – Fundamentos para um debate racional sobre o agro brasileiro”.
Segundo o autor, o desafio está em fornecer informações corretas, combater o raciocínio equivocado, a divulgação de fatos não comprovados (como os mitos) e de uma vez por todas deixar de ver o Agronegócio com “óculos do passado”.
Usemos, então, as lentes do presente e miremos no futuro para falar de Comunicação e Agronegócio e despertar olhares para as interconexões desta relação, não no sentido de contraposições, mas de esclarecimento, compreensão e responsabilidade.
Comunicação e Agronegócio: uma relação ainda em construção
Já sabemos que o Agronegócio apresenta-se como um setor econômico complexo e que, como tal, as soluções para suas demandas seguem a mesma regra, não é mesmo? Sim, sabemos.
Mas, o que perdemos de vista, na maioria das vezes, durante os processos de planejamento estratégico e tomadas de decisão, é de considerar que as estruturas e processos políticos, as inovações tecnológicas, as reformas educativas, as mudanças sociais e as peculiaridades culturais, incluindo linguísticas, provavelmente, contribuíram para a forma como o Agro se desenvolveu, como é visto e como se vê, num determinado enquadramento sociocomunicacional.
Além disso, a forma como a realidade do Agronegócio é posta pela opinião pública interfere diretamente em sua imagem, dentro e fora do setor, e na relação com os stakeholders em diferentes mercados ao redor do mundo.
Revolução Industrial
É importante explicar, neste momento, que na Comunicação as transformações sociais e econômicas, que se sucederam no mundo depois da Revolução Industrial, influenciaram e determinaram o novo modo de noticiar, no mundo todo, e em particular, no ocidente.
A narrativa ficou mais sucinta e informativa e passou a agradar ao público muito mais do que apenas as opiniões. A mudança de abordagem jornalística sobre as diversas temáticas foi determinante também para a forma como a sociedade passou a ler a realidade e a se ver em termos econômicos e sociais.
Em meados do século XIX, e de forma marcante, os Estados Unidos substituíram a França como polo irradiador de modelos jornalísticos – os quais influenciaram profundamente a imprensa brasileira dos séculos XVII e XVIII – e adotaram em seus veículos uma voz “fiscalizadora, reguladora, denunciadora” (BORGES, 2013, p. 216).
Os jornais norte-americanos se viram forçados, nesse novo contexto, a abrir espaço para a discordância e a tentar construir a informação com maior imparcialidade. “A obrigação da objetividade surge não só como ideário, mas como prática cotidiana em textos que não estimulavam subjetividades” (BORGES, 2013, p. 216).
Evolução no Brasil
No Brasil, somente no século XX, a imprensa deixou seu caráter artesanal e amadorístico para se constituir em empresa industrial. Segundo Cremilda Medina (1988), dois fatores socio-históricos foram os responsáveis por essa modernização: a urbanização e a industrialização da sociedade brasileira, consequência da expansão do capitalismo pelo mundo todo.
E foi, exatamente, neste contexto que o Agro brasileiro, em pleno desenvolvimento, ganhou as páginas dos jornais e revistas pelo país, alimentou as vozes do rádio, se tornou imagem e chegou às televisões e computadores e aos aparelhos móveis, como celulares e tablets. Hoje, o Agro está no WhatsApp, no Youtube, no Instagram, no Telegram, no Linkedin e em outras redes sociais.
Contudo, a narrativa do Agronegócio ainda enfrenta uma dificuldade institucional na organização de dados, informações, conhecimentos e registro de fatos, tanto a fim de compreender o setor como de divulgá-lo.
É, pois, como escreveu o linguista francês Patrick Charaudeau, professor na Universidade de Paris-Sorbonne, sobre poder explicativo quando o que domina, muitas vezes, é a confusão: o discurso, fruto da relação entre Comunicação e Agronegócio, se diz informativo, mas ainda promove a “ausência de discriminação dos fenômenos, a falta de distinção entre os termos empregados, o déficit na explicação” (2013, p. 15).
Mas, o sucesso está logo ali
Não vamos desanimar. O caminho para uma Comunicação assertiva, fatídica, científica, realística não está, de todo, muito longe. Como afirma o Coordenador do Centro de Inteligência da Carne Bovina (CiCarne) – Embrapa Gado de Corte – professor e pesquisador do PPGAD/ESAN/UFMS, Guilherme Malafaia, “para capturar valor em um mundo cada vez mais conectado, é preciso não só produzir e vender com eficiência, mas também comunicar qualidade, sabor, experiência e confiança”.
Estes seriam o que podemos chamar de elementos do sucesso. Exemplo disso é o trabalho que o grupo CitrusBR tem feito para divulgar a produção brasileira de suco de laranja: “Colhemos informações e fatos diários para serem usados nas nossas tomadas de decisão. Nada é feito pelo faro, mas pelo fato. A mineração de dados, a análise de performance constante e a ação planejada são partes dessa nova comunicação” (CITRUSBR, 2021, p. 38).
O que nos anima é termos outras iniciativas neste sentido como o trabalho da Embrapa, do Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS) e do Movimento Nacional “Todos a Uma só Voz”.
Uma vez que a história do Agro é contada com elementos baseados em fatos – como base em autenticidade, verossimilhança, explicação – e não em percepção – será possível construir narrativas sem margem para miopias ou lentes desfocadas, seja no presente ou no futuro.
Confira também: Escreve-se agronegócio, mas lê-se produtividade.
Referências
BORGES, Rogério. Jornalismo Literário – análise do discurso. Série Jornalismo a Rigor. Vol. 7. Florianópolis: Ed. Insular. 2013.
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das Mídias. 2 ed. 2ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2013.
CITRUSBR, “Orange Juice, a Good Choice”. AgroAnalysis, FGV, v. 4, n.7, p. 34-38, jul/2021.
MEDINA, Cremilda. Notícia, um produto à venda: jornalismo na sociedade urbana e industrial.2 ed. v. 24. São Paulo: Summus, 1988.