Os jumentos irão mesmo desaparecer?

Os jumentos irão mesmo desaparecer?

Muito se tem falado sobre o risco de extinção dos jumentos (asininos) no Brasil. Na verdade, esse debate não se restringe ao Brasil, mas também a diversos outros países potenciais exportadores de pele de asininos.

E a razão estaria na pressão da demanda chinesa pelo produto. Mas, qual será a dimensão desse risco?

A riqueza sob a pele dos jumentos

A partir da pele de asininos é produzida gelatina denominada E-jiao. Trata-se de uma substância utilizada há milhares de anos na medicina tradicional chinesa, com aplicação direcionada para auxiliar a circulação sanguíneas e combater a anemia.

Seu uso também é associado à longevidade e virilidade. Na China, o produto é muito valorizado, sendo que o quilograma custa centenas de dólares.

Exemplar de jumento com destaque para pele
Os jumentos estão sendo muito procurados pelos chineses devido ao valor de sua pele, usada para fins medicinais.

Mesmo com o preço elevado, estima-se a necessidade de pouco menos de cinco milhões de peles de asininos por ano para atender à demanda. Isto tem levado investimentos chinesas em plantas frigoríficas em países que possuem grande população de asininos.

No Brasil, os investimentos concentraram-se na Bahia, onde a instalação e operação de frigoríficos causam grande comoção. Desde então, o abate diário apresentou grande elevação.

O valor do asinino

A importância dos asininos na história do Brasil remonta aos primeiros anos do século XVI, pouco após o descobrimento. Destaque pode ser dado ao seu papel no Ciclo do Ouro, nos transportes da mineração.

E manteve sua importância através dos séculos, passando pela Independência do Brasil proclamada sobre o lombo de um muar, até a atualidade. Com associação de criadores forte, é um animal valorizado tanto criadores de porte quanto por proprietários mais humildes.

Uso de jumentos no transporte de pessoas
Os jumentos mantém até hoje sua importância no Brasil. É usado em atividades como no transporte de pessoas.

Recente estudo de Bittencourt, Silva e Oliveira [1], estimou o custo de produção do jumento em US$ 258,00/ano. Uma rápida busca por oferta de negócios com asininos permite verificar se são comercializados por milhares de Reais.

Valores muito superiores ao que é pago (menos de R$ 100) por compradores interessados no abate e exportação de pele. O abate de asininos não é uma atividade economicamente viável, exceto para animais velhos ou abandonados, em situações críticas.

Números da população de jumentos

Um grande desafio, no Brasil, é saber o efetivo, o número de cabeças, de asininos. O IBGE, responsável pelos dois mais importantes levantamentos populacionais da agropecuária, o Censo e a Pesquisa Pecuária Municipal (PPM), é falho quando se trata de equídeos.

Desde 2013 não é apurado o número de asininos na PPM, pois equivocadamente, para o IBGE esses animais não têm importância econômica (conforme consta de nota publicada no site do Instituto).

Já o censo não considera diversos estabelecimentos – como chácaras e sítios periurbanos, condomínios rurais, entre outros – onde há presença de asininos. Desta forma, os números do censo são subavaliados.

Rebanho brasileiro de jumentos estatística
Hoje, o rebanho de jumentos no Brasil teve redução de aproximadamente um terço em 22 anos.

Mesmo assim, poderiam ser utilizados seus números para compreender a dinâmica da população. A análise dos números dos três últimos censo agropecuários (1995, 2006 e 2017) mostra uma forte redução do número de animais.

A tropa brasileira de asininos teria, segundo o IBGE, reduzido de 1.105.796 animais em 1995 para apenas 376.874 em 2017. Ainda, segundo os dados do censos, a queda não ocorreu apenas na Bahia, onde ocorreu o forte abate para exportação de peles, mas por todo território brasileiro.

Inclusive quando se analisa a variação por mesorregião geográfica, em ordem decrescente de percentuais, a primeira baiana aparece apenas na 20ª posição, conforme pode ser visto na Tabela 1.

Tabela 1: Brasil, redução da tropa de asininos por mesorregião segundo dados do IBGE

MesorregiãoRedução
Centro Oriental Paranaense (PR)86,8%
Oriental do Tocantins (TO)84,0%
Sul Maranhense (MA)83,5%
Assis (SP)83,0%
Centro Ocidental Paranaense (PR)81,4%
Jaguaribe (CE)81,3%
Sul Cearense (CE)80,1%
Agreste Potiguar (RN)79,3%
Litoral Sul Paulista (SP)79,1%
Sudoeste Paranaense (PR)78,1%
Centro-Sul Cearense (CE)76,9%
Litoral Norte Espírito-santense (ES)76,5%
Noroeste Cearense (CE)75,9%
Sudoeste Piauiense (PI)75,7%
Sul do Amapá (AP)74,8%
Norte Central Paranaense (PR)74,6%
Metropolitana de Curitiba (PR)74,5%
Sudeste Piauiense (PI)73,9%
Nordeste Baiano (BA)73,4%
Norte Piauiense (PI)73,3%
Fonte: Censos Agropecuários 1995 e 2017.

 E justifica o barulho?

A preocupação com o abate de asininos é um fato que sempre merece atenção, pois o bem estar animal deve ser prioritário. Entretanto a afirmação de que o abate poderá levar à extinção da espécie merece maiores e mais profundas investigações.

Primeiro, o abate não se mostra uma atividade economicamente viável, exceto para animais idosos ou abandonados, o que não seria motivação para que a quantidade de abate progredisse a ponto de por em risco a existência da espécie.

Futuro da raça com risco de extinção
Mesmo com o risco de aumento na quantidade de abates, a raça de jumentos dificilmente será extinta.

Aparentemente não implica em risco de extinção, mas de um ajuste populacional com relação aos animais abandonados (reforço que este fato não desmerece a importância de cuidados e investigações com relação ao bem estar).

Segundo ponto, a variação da quantidade de animais relatada nos censos agropecuários, sugere não apenas ausência de causalidade entre abates e queda no número total de animais. Investigações sobre a metodologia adotada pelo IBGE e análise de outros fatores se fazem necessários.

Concluindo, não se pode afirmar que os asininos caminham para extinção no Brasil. Não sem antes, ao menos, realizar maiores pesquisas.

Confira também: Equideocultura pós pandemia COVID-19.


[1] Bittencourt TCBSC, Silva EM, Oliveira CAA. How much is a donkey worth?. Braz J Vet Res Anim Sci. 2021;58(special issue):e174335. https://doi.org/10.11606/ issn.1678-4456.bjvras.2021.174335

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