Há uma relação direta entre o abate humanitário e a qualidade da carne, além do fato de atender à crescente preocupação do consumidor acerca das origens do que consome. Fatores que vão desde o manejo de criação dos animais até o transporte e abate são, hoje, uma preocupação do mercado consumidor. Por isso, há uma forte pressão sobre o paradigma de criação e abate, os quais devem englobar o respeito máximo ao bem-estar animal.
Vale ressaltar, ainda, um questionamento importante: por que submeter um ser vivo a um sofrimento desnecessário? Essa pergunta tem movimentado as linhas de pesquisa científica e a indústria no desenvolvimento de tecnologias com o fim de garantir essa liberdade.
Pensando em levar informações confiáveis até você, inclusive para promover o acesso a um alimento de qualidade e livre de sofrimento por meio de técnicas e cuidados necessários que garantam a execução de forma ética e respeitosa, nesse artigo abordaremos as etapas do abate humanitário, bem como as diretrizes para a prática desse método. Confira!
O que precisamente é o abate humanitário?
O abate humanitário de animais é um processo por meio do qual os animais são rapidamente mortos utilizando cuidados específicos para que o abate seja indolor. Os métodos tradicionais levam em conta, de forma geral, a insensibilização antes da sangria, tornando essa mais eficiente.
De acordo com a Sociedade Mundial de Proteção Animal (WSPA), o abate humanitário consiste no conjunto de procedimentos que garantem o bem-estar dos animais, desde o embarque na propriedade rural até o abate na indústria.
No Brasil, cabe ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), órgão do Poder Executivo Federal, a responsabilidade pelas políticas agrícolas. O MAPA tem como missão promover o desenvolvimento sustentável da agricultura brasileira, garantindo a segurança alimentar e nutricional, a defesa sanitária vegetal e animal, a defesa agropecuária e a gestão dos recursos naturais renováveis.
Segundo o MAPA, a definição do abate humanitário também engloba desde o embarque até a etapa de sangrias nas indústrias frigoríficas. Dessa forma, todos os detalhes que estão por trás do pré-abate e suas respectivas etapas, ou seja, os métodos de condução e embarque propriamente ditos, condições de veículo e do transporte realizado, acondicionamento e manutenção dos animais, condução e operação de atordoamento devem ser acompanhados com a devida atenção.
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Relação direta com o bem-estar
Proporcionar o menor grau de sofrimento e submeter os animais às condições mais humanitárias possíveis é o que se traduz por abate humanitário, tendo, portanto, relação direta com o bem-estar e o respeito às “cinco liberdades”, que trataremos a seguir.
Bem-estar diz respeito ao estado em que um ser vivo se encontra diante de suas tentativas de ajuste ao ambiente, com efeito direto em sua saúde mental, física e na manutenção de suas funções vitais. Existem protocolos que avaliam o grau do bem-estar em escala compatível para diferentes julgamentos, levando em conta apenas as seguintes liberdades:
- Acesso a água e alimento de qualidade – liberdade fisiológica;
- Manutenção da saúde, com acesso às vacinas, evitando e/ou tratando ferimentos – liberdade sanitária;
- Não ser exposto ao medo e sofrimento – liberdade psicológica;
- Ambiente limpo, em plenas condições de conforto, inclusive de espaço – liberdade ambiental;
- Comportamento normal expresso com naturalidade – liberdade comportamental.
Considerando essas liberdades e o percurso de pré-abate como um todo, pode-se concluir se o animal se encontra no processo conhecido como distresse, que nada mais é do que um estado de estresse prolongado no qual o animal não consegue manter a homeostase. Esse processo produz reflexos diretos nas reservas de glicogênio muscular, alterando o pH e resultando em uma carne mais escura com maiores chances de deterioração microbiana.
Cuidados a serem observados
O abate humanitário requer atenção a alguns detalhes, mesmo antes da total imobilização que ocorre já no ato do abate, a fim de reduzir ao máximo qualquer possibilidade de estresse durante o procedimento.
De acordo com autores, há critérios que definem um bom método de abate sem sofrimento:
- Certifique-se de que o animal não seja tratado com crueldade;
- Garanta que os lotes estejam bem alimentados e hidratados antes do abate;
- Evite estresses desnecessários;
- Acomode o animal em um local tranquilo e seguro, longe do barulho e da agitação;
- Certifique-se de que a pessoa responsável pelo abate está bem treinada e qualificada para realizar o procedimento;
- A sangria deve ser o mais rápido e eficientemente completa possível;
- Proporcione mínimas contusões nas carcaças;
- O método de abate deve ser higiênico e seguro para os operadores;
- Após o abate, trate a vida com respeito e cuidado, garantindo a manipulação apropriada das carcaças.
Legislação vigente para o abate humanitário
Cada país tem autonomia para definir as suas diretrizes de abate a fim de garantir condições humanitárias às mais variadas espécies. No Brasil, o MAPA publicou a Portaria nº 365/2021 que aprova o Regulamento Técnico de Manejo Pré-Abate e Abate Humanitário, estabelecendo os métodos humanitários de manejo pré-abate e abate de animais de açougue e pescado, bem como os requisitos de atendimento a fim de evitar dor e sofrimento desnecessários.
Além dessa Portaria, há também a Portaria nº 524 de 21 de junho o de 2011 que constituiu a Comissão Técnica Permanente de Bem-estar Animal (CTBEA) do MAPA, com o objetivo de fomentar o bem-estar animal e estabelecer legislações e normas de acordo com essas demandas.
O MAPA possui ainda duas Instruções Normativas que regulamentam o abate humanitário. Primeiramente, tem-se a Instrução Normativa nº 3 de 17/01/2000 que regulamenta os métodos de insensibilização para o abate humanitário de animais de açougue. Já a Instrução Normativa nº 56 de 06/11/2008 estabelece as diretrizes gerais para a criação de animais de produção com fins comerciais, do nascimento até o abate.
Por fim, em 2008, a Sociedade Mundial de Proteção Animal (WSPA), com o apoio do MAPA, trouxe ao cenário brasileiro o Programa Nacional de Abate Humanitário – STEPS, com o intuito de colaborar ainda mais com as melhorias do bem-estar animal.
O Programa visa, por meio do treinamento de fiscais federais e profissionais atuantes em frigoríficos, proporcionar conhecimento científico acerca da implementação de melhorias do bem-estar animal, minimizar o seu sofrimento, melhorar o ambiente de trabalho e a qualidade do produto final que abastece o mercado nacional e internacional.
No mesmo sentido, para que o abate possa ser feito de forma legal e humanitária, é necessário propagar o conhecimento com a aplicação das diretrizes internacionais de abate humanitário.
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Diretrizes de abate humanitário
As diretrizes internacionais para o abate humanitário foram estabelecidas pelo Comitê de Proteção Animal da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE). O objetivo é assegurar um abate mais humanitário e seguro, minimizando o sofrimento animal, além de garantir a segurança dos trabalhadores envolvidos no abate.
Dentre os fatores observados no documento, pontuamos os principais:
- O transporte dos animais deve ser feito somente se ele estiver em condições físicas adequadas;
- Animais machucados ou com dificuldade de movimentação não devem passar por maiores sofrimentos, sendo recomendado até mesmo o abate de emergência;
- Cuidados no embarque/desembarque e transporte para evitar quedas ou escorregões;
- Objetos que causam dor ou injúrias aos animais são estritamente proibidos no abatimento humanitário;
- Veículo de transporte deve estar em boas condições para a locomoção dos animais e conforme a capacidade adequada de animais;
- O local de descanso dos animais deve ser iluminado e o piso devidamente drenado;
- Todas as necessidades dos animais devem ser supridas na sala de espera, tais como água, conforto térmico, espaço adequado para a espera e condições favoráveis;
- Para o abate de forma humanitária, deve-se utilizar equipamentos apropriados para cada espécie;
- Possuir equipamentos de emergência sempre em mãos caso ocorram falhas imprevistas, especialmente no que se refere ao método de insensibilização.
Para que o método aplicado no abate humanitário apresente eficácia, é de extrema importância que os profissionais sejam qualificados e efetuem treinamentos constantes para execução dos abatimentos. Além disso, profissionais veterinários que atuam nas etapas do abate devem ser capacitados, pois isso permite que identifiquem as falhas e adotem medidas necessárias para supri-las.
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Priorize o abate humanitário
Embora o abate humanitário seja um processo muito bem regulamentado, existem cuidados que podem ajudar a garantir a eficiência e a qualidade esperada no procedimento:
- Antes do abate, os animais devem ser bem inspecionados para garantir que não apresentem nenhuma doença ou condição que possa afetar a qualidade da carne;
- O local de abate deve estar bem ventilado e limpo, visando evitar a proliferação de bactérias;
- Os funcionários envolvidos no processo devem estar treinados e certificados para realizar o abate humanitário;
- Todos os equipamentos utilizados durante o processo devem estar devidamente higienizados.
Uma vez que todos os cuidados sejam tomados, todos só têm a ganhar, especialmente a indústria de alimentos, mais especificamente a frigorífica, que precisa adotar processos para minimizar a dor e o sofrimento animal.
Os consumidores, que se apresentam cada vez mais conscientes, têm pressionado o mercado a fim de acessar alimentos de boa procedência e oriundos de animais que não tiveram suas liberdades suprimidas. Além disso, a qualidade superlativa das carnes e de todo o processo de abate também são motivos que fazem da priorização do abate humanitário uma prática benéfica tanto ao consumidor como ao pecuarista criador.
Você já conhecia o método de abate humanitário? Que tal aprofundar os seus conhecimentos com a nossa matéria sobre boas práticas na sanidade do gado? Boa leitura!