Contratos agrários atípicos: principais aspectos do contrato de comodato rural

Contratos agrários atípicos: principais aspectos do contrato de comodato rural

Em razão da evolução da sociedade e do desenvolvimento das relações entre as pessoas que trabalham no meio rural, as leis agrárias vieram como uma forma de normatizar essas relações, bem como de garantir os interesses do Estado na conservação da propriedade rural e seus recursos.

Nesse contexto, surgem os contratos agrários com o objetivo de regulamentar as relações de uso e posse temporária dos imóveis rurais, de modo a cumprir os interesses coletivos na manutenção da produtividade, desenvolvimento da terra, respeito ao meio ambiente e ao trabalhador, ou seja, o cumprimento da função social da terra.

Existem contratos que são expressamente previstos na lei agrária (típicos) e outros que são decorrentes dos usos e costumes e da liberdade de contratar (atípicos). Neste artigo, serão abordados os aspectos gerais dos contratos agrários, quais são os contratos rurais típicos e atípicos, bem como os pormenores do contrato de comodato rural. Boa leitura!

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O que são contratos agrários?

Em um Estado Social de Direito, como é o caso do Brasil, alguns temas extrapolam a esfera do interesse privado e passam a ser de importância coletiva, como é o caso do direito de propriedade rural. Assim, a Constituição Federal estabelece que as propriedades rurais não devem ser usadas apenas em benefício do proprietário, mas também cumprir a sua função social, respondendo à utilidade coletiva para que servem.

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
(grifos nossos)

Portanto, cumprir a função social da terra diz respeito não apenas a sua produtividade, mas também ao respeito ao meio ambiente, ao trabalhador e ao bem-estar dos proprietários, além do uso racional dos recursos naturais. E é nesse contexto que os contratos agrários estão inseridos.

Eles surgem como um instrumento para o atendimento da função social do imóvel rural, garantindo que seja dada a devida destinação à propriedade e que sejam cumpridos os demais requisitos impostos por lei. Assim, o Estado, por meio de cláusulas obrigatórias, direciona a relação entre as partes visando atender ao interesse coletivo ao promover a destinação do uso do imóvel rural ao interesse geral da sociedade.

Dessa forma, o contrato agrário consiste em um:

  1. Acordo;
  2. Entre duas ou mais pessoas;
  3. Com a finalidade de uso ou posse temporária para a realização de atividade agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativista ou mista;
  4. De propriedade rural.
Constituição federal com texto do artigo 186, que trata da função social da terra, em evidência
A função social do imóvel rural, constitucionalmente prevista, garante que seja dada a devida destinação à propriedade.

Segundo a doutrina, esses contratos apresentam as seguintes características:

  • Bilaterais: as partes assumem obrigações recíprocas, sendo que ambas as partes ocupam simultaneamente as posições de credor e devedor;
  • Onerosos: ambas as partes suportam redução patrimonial, exceto no contrato agrário de comodato;
  • Consensuais: formados pelo acordo de vontades entre as partes;
  • Não solenes: podem ser realizados por concordância tácita ou expressa, escrita ou verbal.

São, portanto, instrumentos pelos quais o produtor rural pode se dedicar à terra, cultivando-a, mas sem que tenha de fato a propriedade do imóvel rural.

Contratos agrários nominados ou típicos

Os contratos agrários estão previstos nos artigos 92 a 94 do Estatuto da Terra (Lei 4.504/64), artigos 13 a 15 da Lei 4.947/66, com regulamentação dada pelo Decreto 59.566/66:

Art. 1º O arrendamento e a parceria são contratos agrários que a lei reconhece, para o fim de posse ou uso temporário da terra, entre o proprietário, quem detenha a posse ou tenha a livre administração de um imóvel rural, e aquele que nela exerça qualquer atividade agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista. (grifos nossos)

O Estatuto da Terra aborda como modalidades de contrato agrário os de arrendamento e parceria, chamados pela doutrina de contratos nominados ou típicos. Os contratos nominados são aqueles previstos expressamente em lei e são tidos como formas típicas de uso e posse temporária da terra. Dessa forma, resumidamente:

  • Arrendamento consiste em contrato agrário por meio do qual se estabelece uma obrigação entre proprietário (arrendador) e pessoa ou conjunto familiar (arrendatário), em que o primeiro cede o uso ou gozo da propriedade rural em sua integralidade ou mesmo partes dela, com o objetivo de exercer atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativista ou mista, mediante retribuição ou aluguel;
  • Parceria rural é o contrato agrário que configura uma espécie de sociedade em que o parceiro-outorgante fornece a terra e determinadas benfeitorias ou maquinários e, em contrapartida, o parceiro-outorgado contribui com a mão de obra e gerenciamento do cultivo. Dessa forma, ao final do contrato, os frutos percebidos com a atividade são divididos de acordo com o estabelecido previamente no contrato. Modalidades de parceria rural:
    Agrícola: o objeto da cessão é um imóvel rural para exercer atividade de produção vegetal;
    Pecuária: objeto da cessão são animais para cria, recria e engorda;
    Agroindustrial: o objeto da cessão é o imóvel rural ou de partes do mesmo, e/ou maquinários e implementos, com o objetivo de ser exercida atividade de transformação de produto agrícola-pecuário ou florestal;
    Extrativa: objeto da cessão é o uso de imóvel rural ou de partes do mesmo, e/ou animais de qualquer espécie, com o objetivo de ser exercida atividade extrativa de produto agrícola, animal ou florestal;
    Mista: o objeto da cessão abrange mais de uma das modalidades de parceria anteriores.

Contratos agrários inominados ou atípicos

Devido aos avanços das práticas rurais, atualmente o Estatuto da Terra e o Decreto 59.566/66 já não conseguem abranger todas as relações e contratos existentes no meio. Nesse contexto, o Decreto aborda em seu artigo 39 a possibilidade de celebração de outras modalidades contratuais:

Art. 39. Quando o uso ou posse temporária da terra for exercido por qualquer outra modalidade contratual, diversa dos contratos de Arrendamento e Parceria, serão observadas pelo proprietário do imóvel as mesmas regras aplicáveis à arrendatários e parceiros, e, em especial a condição estabelecida no art. 38 supra. (grifos nossos)

Esses contratos são denominados pela doutrina de contratos agrários inominados ou atípicos e decorrem da liberdade de contratar e da autonomia da vontade das partes frente a determinadas situações as quais não foram descritas pelo legislador.

De acordo com a doutrina, são contratos agrários inominados: comodato rural, leasing agrário, contrato de pastoreio ou invernagem, contrato do fica e contrato de pastagem. No presente texto será abordado especificamente o contrato de comodato rural.

Infográfico listando a diferença entre contratos agrários típicos e atípicos, bem como as suas respectivas modalidades
Diferenças e modalidades de contratos agrários típicos e atípicos.

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Contrato de comodato rural

Comodato nada mais é que um empréstimo gratuito de bens infungíveis ao comodatário que, por sua vez, devolve-o após o decurso de tempo previamente ajustado.

Desse modo, o contrato de comodato rural consiste em:

  1. Contrato gratuito: não há contraprestação pelo empréstimo do bem imóvel rural (contrato não oneroso);
  2. Temporário: durante o período de tempo estabelecido pelas partes, há o favorecimento temporário do comodatário (pessoa que recebe o bem como empréstimo) que exercerá a posse direta (provisória) sobre o bem imóvel rural;
  3. Com posterior restituição do bem: o bem imóvel rural deverá ser restituído no prazo previamente ajustado.

Em se tratando do contrato de comodato rural é importante destacar que, diferentemente das demais espécies de contratos agrários, não há retribuição pela utilização do bem imóvel rural, ou seja, é um contrato não oneroso. Caso haja o pagamento de aluguel ou qualquer outra forma de renda, o contrato não será mais de comodato agrário, mas sim de arrendamento rural, devido a sua onerosidade.

Segundo José Fernando Lutz Coelho, o contrato de comodato agrário é uma alternativa aos proprietários rurais de evitar a ociosidade da terra, quando não existem contratos de arrendamento ou parceria rural, cumprindo a função social da terra e evitando questões como invasões e desapropriação.

Normas aplicáveis aos contratos agrários de comodato

Conforme abordado anteriormente, os contratos de comodato rural são contratos agrários atípicos ou inominados, ou seja, não estão expressamente previstos na lei agrária. Por isso, existe divergência tanto doutrinária quanto jurisprudencial a respeito de qual legislação seria aplicável a esses contratos.

Dessa forma, devido à antiguidade do Estatuto da Terra e às modernizações das relações no campo, não há uma lei que aborde as peculiaridades dos contratos atípicos. Ou seja, há uma lacuna no que tange à regulamentação específica de tais negócios jurídicos e é exatamente por isso que surgem divergências a respeito de qual norma seria aplicável a esse instituto.

Diante disso, não havendo previsão legal que trate especificamente das diretrizes a serem aplicadas às questões complexas dos contratos agrários atípicos, resulta-se em certa insegurança jurídica, levando muitas vezes à decisões conflitantes do Poder Judiciário.

Doutrina

Segundo grande parte da doutrina que trata do assunto, o contrato de comodato rural, bem como os demais contratos atípicos, têm como objeto a posse ou o uso de propriedade rural, ou seja, a atividade agrária. Sendo assim, para determinar a sua natureza jurídica, deve-se observar se o cunho principal do contrato é agrícola ou apenas uma relação de Direito Civil.

A partir dessa análise, percebe-se que é possível existir tanto contratos agrários no meio urbano como contratos civis no meio rural, sendo que a sua distinção se dará com a identificação da destinação principal do negócio jurídico.

É importante ressaltar que, apesar da tendência de flexibilização dos contratos agrários atípicos – por não estarem previstos expressamente em lei – ainda assim são submetidos às normas obrigatórias do Direito Agrário. Isso se dá devido à supremacia do interesse público em detrimento do interesse particular, devendo a exploração do imóvel rural se dar com o devido cumprimento da função social da propriedade.

Dessa forma, segundo a doutrina, aplicam-se ao contrato de comodato rural:

  • Normas gerais civilistas: são aplicáveis aos contratos de comodato rural as normas gerais civilistas, tendo em vista que o comodato é uma figura contratual já tipificada na legislação civil (artigo 579 a 585 do Código Civil);
  • Cláusulas obrigatórias dos contratos agrários: por se tratar de um contrato de natureza jurídica agrária, a doutrina considera que deve ser submetido às mesmas regras aplicáveis aos contratos típicos. Essas cláusulas obrigatórias estão contidas no artigo 13 do Decreto 59.566/66, nos artigos 93 a 96 do Estatuto da Terra e no artigo 13 da Lei 4.947/66 e visam basicamente:
    – Aproveitamento racional e adequado da terra;
    – Utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
    – Observância das disposições que regulam as relações de trabalho (proteção da parte mais fraca);
    – Exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Portanto, o que a doutrina defende não é a equiparação dos contratos agrários típicos com os atípicos, e sim, a aplicação das normas gerais – de Direito Civil, no caso do comodato – em conjunto com os princípios e cláusulas obrigatórias aplicáveis aos contratos agrários.

No entanto, entendem também que a aplicação do Direito Agrário aos contratos atípicos deve ser maleável, mas sem vulnerar seus princípios base. Exemplo disso são os prazos mínimos contidos nas cláusulas obrigatórias. Esses prazos não podem aplicados rigorosamente aos contratos atípicos, tendo em vista que existem peculiaridades que devem ser verificadas com maleabilidade caso a caso.

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Jurisprudência

No que tange ao tratamento da jurisprudência a respeito do tema, elencamos algumas decisões com aspectos importantes a serem destacados.

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE USUCAPIÃO ESPECIAL URBANO – REQUISITOS PREVISTOS NO ARTIGO 183 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – INOBSERVÂNCIA – POSSE PRECÁRIA – AUSÊNCIA DE ANIMUS DOMINI – MERA TOLERÂNCIA DA PROPRIETÁRIA – RECURSO DESPROVIDO. 1. Estabelece o artigo 183 da Constituição Federal que, para que se reconheça a usucapião especial urbana, devem restar observados os seguintes pressupostos: i) imóvel de até 250 metros quadrados na área urbana; (ii) posse ininterrupta e sem oposição por prazo superior a cinco anos; (iii) utilização do imóvel para sua moradia ou de sua família (posse pessoal); (iv) animus domini do possuidor; e (v) não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural. 2. Se a ocupação do imóvel decorre de ato de mera tolerância de seu proprietário, isto é, de comodato verbal, a posse dos apelantes é destituída de animus domini. 3. Recurso desprovido. (TJ-ES – APL: XXXXX20118080069, Relator: TELEMACO ANTUNES DE ABREU FILHO, Data de Julgamento: 23/02/2016, TERCEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 04/03/2016)

Com base na decisão acima, pode-se perceber que a jurisprudência reconhece a informalidade dos contratos agrários atípicos, já que valida o comodato agrário realizado de maneira verbal. Conforme tratamos no início do texto, os contratos agrários são não solenes, ou seja, podem ser tácitos ou expressos, escritos ou verbais. Trata-se de um detalhe importante, pois reconhece a aplicação das regras específicas do Direito Agrário aos contratos atípicos.

Homens apertando as mãos em meio a um campo de trigo
A jurisprudência reconhece a informalidade dos contratos de comodato rural, ou seja, podem ser realizados de maneira verbal.

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATOS AGRÁRIOS. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL CUMULADA COM REINTEGRAÇÃO DE POSSE E PERDAS E DANOS. Ausência de um dos elementos essenciais para a caracterização do contrato de arrendamento rural – onerosidade (artigo 3º do Decreto nº 59.566/66). Contrato firmado entre primos. Provas dos autos que demonstra não se tratar de um contrato de arrendamento rural típico, mas sim de um contrato de comodato. Em se tratando de contrato de comodato com prazo determinado, não cabe a rescisão antes do seu término, sem que tenha sido demonstrada a necessidade imprevista e urgente, nos termos do art. 581 do Código Civil. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível, Nº 70081226326, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Heleno Tregnago Saraiva, Julgado em: 05-09-2019).

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. COMPETÊNCIA INTERNA. EMBARGOS À EXECUÇÃO. EXECUÇÃO QUE APRESENTA, COMO TÍTULO EXECUTIVO, UMA CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA. DEVIDA A INSERÇÃO DO RECURSO JUNTO À SUBCLASSE \NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS): PRECEDENTES DA 1A VICE-PRESIDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS.
A CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA OBJETO DO FEITO EXECUTIVO.
TRATA-SE DE SIMPLES FINANCIAMENTO BANCÁRIO, COM FINALIDADE DE CRÉDITO RURAL. – A FINALIDADE DO CRÉDITO, OU A GARANTIA, NÃO TRANSFORMA O CONTRATO BANCÁRIO EM CONTRATO AGRÁRIO. EM UMA LEITURA BREVE QUANTO À CLASSIFICAÇÃO DOUTRINARIA E LEGAL SOBRE CONTRATOS AGRÁRIOS, NÃO HÁ COMO INCLUIR O CONTRATO BANCÁRIO – AINDA QUE SUA FINALIDADE SEJA INVESTIMENTO RURAL – NA COMPETÊNCIA “CONTRATOS AGRÁRIOS”. A DOUTRINA CLASSIFICA OS CONTRATOS AGRÁRIOS EM CONTRATOS NOMINADOS OU TÍPICOS E CONTRATOS INOMINADOS OU ATÍPICOS. OS CONTRATOS AGRÁRIOS TÍPICOS SÃO OS CONTRATOS DE ARRENDAMENTO E PARCERIA, COM PREVISÃO LEGAL NA LEI 4.504/64 (ESTATUTO DA TERRA), LEI 4.947/662, DECRETO 59566/663 E NO CÓDIGO CIVIL, SEM PREVISÃO ESPECÍFICA, MAS ABARCADOS PELAS NORMAS GERAIS DAS RELAÇÕES OBRIGACIONAIS E CONTRATUAIS, EM SUA FORMA ATÍPICA, SE INCLUEM AS RELAÇÕES NÃO REGULADAS ESPECIFICAMENTE PELA LEI, MAS QUE TEM OBSERVÂNCIA NAS REGRAS GERAIS E PRINCÍPIOS DO DIREITO AGRÁRIO, ALÉM DAS REGRAS ESTABELECIDAS PARA OS CONTRATOS DE ARRENDAMENTO E PARCERIA NOS TERMOS DO ART. 39 DO DECRETO N. 59-566/66. EXEMPLOS DE CONTRATOS AGRÁRIOS ATÍPICOS: O COMODATO AGRÁRIO, A EMPREITADA AGRÁRIA, O PASTOREIO OU INVERNAGEM, ETC. NECESSÁRIO, PORTANTO, O RETORNO DO FEITO JUNTO À SUBCLASSE\NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS SUSCITADO CONFLITO DE COMPETÊNCIA EM DECISÃO MONOCRÁTICA. (STJ, REsp 171989/PR, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 13/10/98).

No que se refere às decisões acima, é possível depreender que a jurisprudência corrobora com o entendimento da doutrina de que são aplicáveis as normas gerais do Direito Civil e as regras específicas do Direito Agrário ao contrato de comodato rural.

Martelo e balança em cima de livros, representando símbolos do Direito
Parte da jurisprudência reconhece a aplicação das normas gerais do Direito Civil e das regras específicas do Direito Agrário aos contratos atípicos.

Vale ainda ressaltar a decisão no Agravo de Instrumento nº. 70001937853 da 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, com julgamento em 22/03/2021. O julgado concedeu reintegração de posse em função de esbulho de imóvel rural que teria sido objeto de comodato rural, não reconhecendo-o como contrato agrário.

Ementa: AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. COMODATO DE ÁREA RURAL PARA CULTIVO AGRÍCOLA. PLANTAÇÕES DE TRIGO, AVEIA E SOJA. LIMINAR INITIO LITIS. APLICABILIDADE DOS REQUISITOS DA TUTELA ANTECIPADA. PERIGO DE IRREVERSIBILIDADE DA MEDIDA. CC, ART. 1.250. MÁ-FÉ DOS AGRAVANTES. INOCORRÊNCIA. COM A FUNÇÃO SOCIAL ATRIBUIDA À PROPRIEDADE PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E COM A INTRODUÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA NO NOSSO DIREITO, SÃO APLICÁVEIS OS REQUISITOS DESTE INSTITUTO ÁS MEDIDAS LIMINARES, EM ESPECIAL AS POSSESSÓRIAS. MECANISMOS QUE O LEGISLADOR CONFERIU AO JUIZ PARA EFETIVAÇÃO DO DIREITO E DA JUSTIÇA NO CASO CONCRETO, NÃO ALCANÇÁVEIS COM O REGIME DO CÓDIGO CIVIL INSTITUÍDO NO INÍCIO DO SÉCULO PASSADO, EM QUE PREDOMINOU O DIREITO DE PROPRIEDADE COMO BASE DE NOSSO DIREITO CIVIL. HÁ CONCRETO PERIGO DE IRREVERSIBILIDADE NA REINTEGRAÇÃO DE POSSE INÍTIO LITIS EM ÁREA RURAL OBJETO DE CULTIVO AGRÍCOLA EM ÉPOCA DE COLHEITA OU DE ACOMPANHAMENTO DE PLANTAÇÃO, MÁXIME QUANDO OS COMODATÁRIOS TOMARAM EMPRÉSTIMOS NA REDE BANCÁRIA PARA FINANCIÁ-LA. PREDOMINÂNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS PECULIARÍSSIMAS NO CASO CONCRETO. ART. 1.250 DO CC. AUSÊNCIA DE REQUISITOS. INOCORRÊNCIA DA DEMONSTRAÇÃO DE NECESSIDADE IMPREVISTA E URGENTE. INEXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ DOS AGRAVANTES PORQUE ALÉM DE O ACOLHIMENTO DO MÉRITO DO RECURSO AFASTAR A ALEGAÇÃO DE INDUÇÃO EM ERRO DO RELATOR, OS RECORRENTES INFORMARAM NA PETIÇÃO RECURSAL A EFETIVAÇÃO DA MEDIDA LIMINAR E AINDA ANEXARAM CÓPIA DO RESPECTIVO AUTO. À UNANIMIDADE CONHECERAM DO RECURSO E, POR MAIORIA, DERAM PROVIMENTO.(Agravo de Instrumento70001937853, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em: 22-03-2001)

No caso em questão foram aplicados integralmente os dispositivos do Código Civil, visto que o contrato de comodato não foi reconhecido como contrato agrário. Entre os argumentos utilizados pelo Desembargador foi o de que:

“não se está em sede de contrato agrário e por isto não aplicáveis, salvo melhor juízo, seus princípios, a não ser os gerais aplicáveis a todos os contratos, pois a preocupação legislador, segundo Paulo Torminn Borges, foi a de delinear cada um dos principais institutos de direito agrário, precisamente, evitando perda de tempo futuro nas construções doutrinárias e jurisprudenciais.”

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Consulte um advogado

Ainda que exista a possibilidade de serem realizados de maneira verbal, é importante que esses contratos sejam formalizados e escritos com o auxílio de profissional competente para tanto. Com o intermédio de advogado, evita-se a existência de brechas e lacunas que possam ensejar o descumprimento do contrato, garantindo maior segurança e efetividade àquilo que está disposto no instrumento.

O conhecimento técnico de um profissional da área é indispensável para que a relação seja devidamente caracterizada e a manifestação das partes seja retratada de forma fiel no acordo escrito.

Mão assinando documento em mesa com computador, livros, papéis e Kindle
Recorrer a um profissional qualificado para a elaboração do contrato escrito de comodato rural garante a devida formalização da vontade das partes e evita lacunas que possam ensejar descumprimento contratual.

Conclusão

O contratos agrários, portanto, visam promover a justiça social decorrente do Direito Agrário, garantindo a supremacia dos interesses públicos em detrimento dos particulares por meio do cumprimento da função social da terra.

Apesar da tendência de flexibilização das relações contratuais agrárias, em especial no que tange aos contratos atípicos, e das divergências entre doutrina e jurisprudência, o que se entende é que não devem ser vulneradas as regras basilares do Direito Agrário, tendo em vista a natureza jurídica que esses contratos apresentam.

E então, gostou desse conteúdo? Complemente a leitura com o nosso artigo sobre as áreas de preservação permanente (APP) e a sua importância. Boa leitura!

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