A agropecuária é um dos segmentos que mais movimenta valores no mercado econômico, estando o Brasil entre os maiores exportadores de carne bovina do mundo. A valorização dos negócios nesse setor tem sido cada vez maior, uma vez que o emprego de tecnologias, como é o caso do melhoramento genético, segue aprimorando constantemente a produção e a aptidão dos animais para diferentes trabalhos.
É nesse contexto que se insere o abigeato, um crime que está se tornando cada vez mais comum no meio e gerado preocupações e prejuízos aos produtores rurais que atuam nesse importante mercado.
Neste artigo abordaremos o que é o crime de abigeato, suas penas, medidas adotadas para combatê-lo, bem como jurisprudência sobre o tema. Continue lendo e aprenda mais sobre o assunto.
Panorama do abigeato no Brasil
O crescimento do setor agropecuário no Brasil tem atraído a atenção de criadores e produtores rurais, mas também gerado preocupações com relação à segurança dos animais, já que estes compõem o conceito de propriedade privada e possuem valor patrimonial agregado. Nesse contexto, o legislador passou a conferir proteção especial às criações de animais com a qualificadora do crime de furto, o chamado abigeato.
A Lei nº 13.330, de 2 de agosto de 2016 alterou o Código Penal Brasileiro para tipificar de forma mais gravosa os crimes de furto e receptação de semovente domesticável de produção, passando a prever sanções para toda a cadeia do crime: furto, ocultação, transporte e comercialização de semoventes.
O que é abigeato?
A palavra abigeato tem origem no latim – abigeatus – e vem de ab ire que significa “levar para longe, afastar, ir embora”. O crime de abigeato está tipificado no § 6o do artigo 155 do Código Penal Brasileiro e consiste em uma qualificadora do crime de furto (furto qualificado), ou seja, apresenta pena mais elevada que a do furto comum.
O abigeato é muito comum em certas regiões do país, como é o caso do Sul do Brasil, causando prejuízos consideráveis aos produtores rurais, pois suprime bens que garantem a sua subsistência e a de sua família. Além disso, gera medo e insegurança nos criadores e no mercado em geral.
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Previsão legal
Art. 155 – Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
(…)
§ 6o A pena é de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos se a subtração for de semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em partes no local da subtração (grifos nossos).
De acordo com o dispositivo, o crime consiste na subtração indevida de animais destinados à produção e criados em propriedades privadas, ou seja, pastagens, campos, currais ou lugares próprios de criação. No entanto, há alguns elementos que devem estar presentes para a caracterização do crime:
- Subtração: o crime de abigeato está previsto como uma qualificadora do furto, por isso é utilizado o termo “subtração”. Subtração significa que o animal é retirado do seu local de origem por outrem, que não detém a sua propriedade legal, sem o emprego de violência. Uma vez que a escuridão e a pouca vigilância facilitam a execução do crime, o abigeato geralmente é praticado durante o período noturno, o que configura outra razão para o aumento da pena em razão da incidência da causa de aumento prevista no § 1º do art. 155 do Código Penal;
- Semovente domesticável de produção: o objeto do crime em questão é o semovente, ou seja, animal ao qual é atribuída propriedade e é passível de transações (venda, execução judicial, penhora etc), assim como os patrimônios em geral. No entanto, há que se ressaltar que os termos que o acompanham – domesticável de produção – dizem respeito a animais que, embora domesticáveis, sejam de produção. Essa colocação exclui da aplicação do dispositivos os animais selvagens e os de estimação, como cães, gatos e hamsters, bem como aqueles que, embora normalmente sejam destinados à produção, são tratados como de estimação. Esses casos serão amoldados ao furto simples;
- Destinados à produção: diz respeito aos animais que são destinados ao comércio de carne, produção de leite e derivados fornecidos ao consumo humano, bem como aqueles que embora não sejam para o consumo, tenham valor econômico, como é o caso da lã e do couro. Enquadram-se aqui: bovinos, equinos, ovinos, caprinos, suínos, galináceos, entre outros;
- Vivos, abatidos ou divididos em partes no local em que foi subtraído: há diferentes formas de abigeato, podendo envolver furtos de rebanhos inteiros, apenas um animal, bem como de parte dos animais e de suas carcaças;
- Praticado por um indivíduo ou grupo de pessoas.
Como exemplo de abigeato tem-se a situação ocorrida no município de Corumbá, no Mato Grosso do Sul, na qual foram furtadas 230 cabeças de gado no início de novembro de 2022, correspondendo, na época, a cerca de R$ 1 milhão. Os animais foram levado até uma propriedade no Paraguai, a 150 km da fronteira do Brasil. Os bovinos foram recuperados por meio de uma ação conjunta da Agência Estadual de Defesa Animal e Vegetal (Iagro) e do Serviço Nacional de Qualidade e Saúde Animal do Paraguai (SENACSA).
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Possibilidade de fiança
De acordo com o artigo 322 do Código de Processo Penal, os crimes com pena máxima superior a 4 anos, como é o caso do abigeato, não são passíveis de fiança por autoridade policial. Dessa forma, o agente passará por audiência de custódia, na qual o juiz decidirá acerca da legalidade e da manutenção da prisão.
Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos (grifos nossos).
Parágrafo único. Nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.
Como combater o abigeato?
O crime de abigeato tem ganhado cada vez mais a atenção dos produtores e das autoridades que buscam meios de combatê-lo. Atualmente, medidas mais eficazes estão sendo tomadas, já que alguns dos principais obstáculos ao enfretamento desses delitos são a dificuldade de policiamento das fronteiras e o baixo número de unidades policiais que atuam na apuração desses crimes.
Tendo isso em vista, em alguns estados foram criadas delegacias especializadas no combate de crimes rurais, como a Deicra (MG), Deleagro (MS), Decrab (RS), entre outras. Essas delegacias visam tornar mais célere as investigações de crimes contra o patrimônio do produtor rural, seja furto de gado, de insumos ou de produtos agrícolas.
Assim, é feito um trabalho conjunto com o uso de inteligência e tecnologia, trocando informações entre as forças policiais, delegacias especializadas, bem como com a Agência Estadual de Defesa Animal e Vegetal (Iagro) para a realização dos controles sanitário e de fronteiras.
De acordo com dados apresentados pela Polícia Civil do estado do Rio Grande do Sul, desde a implantação dessas delegacias, em 2018, houve uma diminuição de cerca de 15% no número de furtos de gado. Já no estado do Mato Grosso do Sul, a redução foi de 18,5% nos primeiros cinco meses de 2022 se comparado com o mesmo período em 2021. Em Minas Gerais, de acordo com estatísticas da Secretaria de Segurança do estado, houve a diminuição de 17,81% das ocorrências nos primeiros 4 meses do ano de 2022.
Para que esse combate seja ainda mais eficaz, é importante que haja a comunicação entre produtores rurais e delegacias. Além disso, faz-se necessário o uso de tecnologias disponíveis para manter os animais protegidos. Os equipamentos de segurança estão cada vez mais inovadores e o seu uso, atualmente, é inevitável.
O que é receptação de animal?
Conforme abordado anteriormente, a Lei nº 13.330/2016 introduziu também o artigo 180-A ao Código Penal que trata da receptação de animal:
Art. 180-A. Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito ou vender, com a finalidade de produção ou de comercialização, semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em partes, que deve saber ser produto de crime:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa (grifos nossos).
O abigeato é a raiz de outras violações, como é o caso da receptação de animal que abrange as condutas de aquisição, recebimento, transporte, condução, ocultação, depósito e venda de semovente domesticável de produção proveniente de furto e outros crimes. O artigo visa penalizar toda a cadeia do crime que afeta tanto os produtores rurais como a sociedade, com violações à segurança e saúde pública.
Algumas características desse crime devem ser ressaltadas:
- Finalidades: as condutas citadas devem visar a produção ou comercialização do animal – semovente domesticável de produção – vivo, abatido ou dividido em partes;
- Animal deve ser fruto de crime (abigeato, por exemplo);
- Agente sabe que o animal é produto de crime: o agente do crime deve ter conhecimento de que o animal ou suas partes são produto de crime e utilizá-los na produção ou realizar a sua comercialização mesmo assim.
Caso o agente tenha adquirido ou recebido animal que, pela sua natureza ou pela desproporção entre valor e preço pago, ou ainda pela condição de quem oferece, deveria presumir ter sido obtido por meio criminoso, responde pelo crime receptação culposa, previsto no art. 180, § 3º, do Código Penal, que possui pena mais branda;
Portanto, o comércio de alimentos oriundos de animais furtados é uma atividade econômica clandestina que impacta diretamente na saúde da população, que acaba consumindo produtos sem conhecer a sua procedência, sendo provavelmente de baixa qualidade e nocivos à saúde. Além disso, também há reflexos econômicos, já que a prática também resulta em sonegação de impostos e no aumento do valor dos produtos de origem idônea.
Como exemplo, pode-se citar o caso de bovinos que foram recentemente vacinados. A maioria das vacinas estabelece um prazo mínimo para que o animal seja abatido, já que as substâncias permanecem no seu organismo tornando a carne imprópria para o consumo durante esse período. Com o comércio clandestino desses animais, essa verificação foge do controle sanitário e leva riscos à população.
Quanto à possibilidade de fiança, aplica-se o mesmo artigo e considerações do crime de abigeato, ou seja, não é passível de fiança perante autoridade policial, tendo em vista a pena máxima ser superior a 4 anos.
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Jurisprudência
Vistos os aspectos gerais sobre o crime de abigeato, vamos abordar um caso concreto a fim de compreender como a jurisprudência tem tratado o tema.
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE RECEPTAÇÃO CP, ART. 180, CAPUT), FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE PESSOAS E PELO ABIGEATO (CP, ART. 155, § 4º, IV, E § 6º) E CORRUPÇÃO DE MENORES (LEI Nº 8.069/1990, ART. 244-B, CAPUT). SENTENÇA CONDENATÓRIA. Recurso defensivo. Crime de receptação. Postulada absolvição por insuficiência de provas. Aventado que o réu não tinha ciência da origem ilícita do bem. Impossibilidade. Acusado que não apresentou provas de que adquiriu o aparelho celular objeto de furto de forma lícita. Inversão do ônus probatório. Ademais, chip utilizado no telefone que estava em nome de terceiro que morava a mais de 200 km do domicílio do réu e de onde o bem foi furtado. Circunstância que denota que o acusado sabia que o produto era furtado e buscou não vincular seu nome ao aparelho. Materialidade, autoria e dolo evidenciados. Condenação mantida. Crime de furto qualificado. Requerido o afastamento da qualificadora prevista no § 6º do art. 155 do Código Penal. Arguído que o semovente furtado seria apenas de estimação, sem fins comerciais. Impossibilidade. Bovino de raça furtado que não é destinado unicamente ao abate, podendo ser destinados à reprodução do rebanho, subsistência ou para produção em larga escala. Inexistência de alegação da vítima de que o animal não tivesse fins comerciais. Ademais, ofendida que, inclusive, explicou que criava gado em sua propriedade e que o apego ao novilho furtado se dava apenas porque tiveram de fornecer-lhe maiores cuidados em razão ter sido rejeitado pela mãe. Outrossim, vítima que ressaltou o valor monetário do animal e pagava a terceiros para que tratassem o bezerro. Destinação para produção verificada. Qualificadora caracterizada. Regime inicial de cumprimento de pena. Pleiteada a fixação do regime inicial semiaberto. Impossibilidade. Pena superior a 4 anos. Apelante com maus antecedentes e reincidente. Inteligência do art. 33, §§ 2º e 3º, do CP. Precedentes. Regime fechado que se impõe. Requerida a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. Inviabilidade. Requisitos do art. 44, I, II, e § 3º, do CP não constatados. Pena superior a 4 anos. Reincidência e maus antecedentes. Medida que não se mostra adequada. Recurso conhecido e desprovido. (TJSC; ACR 5000129-35.2022.8.24.0282; Quinta Câmara Criminal; Rel. Des. Antônio Zoldan da Veiga; Julg. 23/02/2023)
No caso acima, apreciado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, o réu foi condenado à prisão pelo furto de novilho no município de Sangão/SC. O crime foi cometido com a ajuda de dois enteados menores de idade, abrangendo, portanto, os crimes de corrupção de menor e receptação, já que o suspeito foi encontrado na posse de celular roubado. O denunciado foi flagrado carneando o animal em sua residência, na qual foram recuperados cerca de 150 quilos de carne bovina. O réu recebeu pena de cinco anos, dois meses e 10 dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicial semiaberto.
Qualidade e segurança no agronegócio
Quando falamos da compra e venda de produtos, há que se ter muita atenção para que as mercadorias adquiridas sejam de qualidade. No agronegócio esse cuidado deve ser redobrado, especialmente em se tratando de animais e demais produtos destinados ao consumo. Deve-se verificar a procedência e buscar fornecedores confiáveis para que a saúde de todos os envolvidos na cadeia de produção e consumo seja preservada.
Por esta razão, o MF Rural atua de modo efetivo nas negociações entre compradores e vendedores, garantindo que os anunciantes sejam confiáveis e seus produtos de qualidade. Da mesma forma, o MF Leilões, empresa de leilões online do Grupo MF Rural, certifica que cheguem até você as melhores ofertas de animais de criatórios renomados e de procedência.
Gostou desse conteúdo? Que tal complementar a leitura com o nosso artigo sobre boas práticas na identificação do gado para garantir um bom monitoramento da sua produção. Boa leitura!