Na nossa série de publicações sobre as boas práticas no manejo do gado, vimos como a aplicação dessas práticas na produção pecuária é o diferencial que vai contribuir para uma realidade produtiva de elevado potencial econômico e significado social, seja nas etapas de identificação, alimentação, reprodução, sanidade ou transporte.
No mesmo sentido, o manejo com respeito às boas práticas vai além de agregar valor: também contribui com o bem-estar dos animais, da sociedade e com a utilização consciente dos recursos ambientais. Esses outros aspectos também são extremamente relevantes, seja pela sua importância direta, ou pela influência que exercem sobre o mercado pecuário.
Sendo assim, neste artigo vamos finalizar a série “Boas Práticas de Manejo do Gado” abordando o ciclo pecuário como um todo, bem como os pilares que influenciam esse mercado e como ser um pecuarista de sucesso diante desses aspectos. Confira!
Panorama da produção pecuária brasileira
Entender como funciona o ciclo pecuário e como isso se relaciona com as condições agroprodutivas do nosso país abre uma oportunidade de discussão acerca da aplicação de um manejo ideal com adoção de boas práticas.
Por se tratar de uma atividade com características próprias e com traços ainda presentes do Brasil colônia, é fato que os limites advêm dos consumidores em massa. Atualmente, a exploração produtiva é ditada pelo interesse comercial primariamente a nível internacional.
Sendo assim, quando consideramos a pecuária de nível cíclico, estamos nos referindo especialmente ao commodity carne. Seja o rebanho com aptidão leiteira ou com dupla aptidão, temos que o fim invariavelmente será o frigorífico, e o valor que rege o mercado gira em torno das arrobas.
Entendido como funciona a precificação do comércio da carne e o valor que essa atividade tem, é interessante o fato de que a pecuária teve início com interesses de subsistência, mas a partir da expansão do conhecimento, a realidade vem sendo cada vez mais prospectiva, com vistas ao alto nível de uma cadeia racional e tecnológica.
Conforme levantamento de dados da Agrifatto, em agosto de 2022 a exportação de carne bovina in natura somou 74,68 mil toneladas, com preço médio mensal de US$ 6,13 mil por tonelada, consolidando uma receita de US$ 1,25 bilhão em um único mês.
Por outro lado, classificar os rebanhos de acordo com o sistema de criação oferece uma outra visão comercial. Uma vez que 80% da produção pecuária é em regime de pastagem no sistema extensivo, o resultado é que, não raramente, temos um solo exausto e com baixa oferta de minerais.
Logo, o impacto é direto nos resultados e no domínio estrutural da cadeia e dos ciclos que dependem dessa oferta de alimento. Então, como evoluir? Oferecendo um manejo que respeite as boas práticas e que implique em retorno palpável através do respeito a sustentabilidade.
Para isso, qual a duração e como atuar na sistemática do ciclo pecuário? Veja a seguir.
Como funciona o ciclo pecuário?
As commodities sofrem influência do mercado e isso implica na volatilidade de preços que tanto assombram os pecuaristas, já que estão à mercê da sazonalidade do território brasileiro.
Portanto, a maior arrecadação de arrobas, impreterivelmente, vai acontecer na alta disponibilidade alimentar dos rebanhos em sistemas extensivos, ou seja, no período das águas. Assim, o pecuarista tende a colocar boa parte do gado à disposição do mercado, o que acarreta na queda do preço do boi gordo e, consecutivamente, o preço de venda de qualquer outra categoria também cai. Vacas e bezerros passam a ser desvalorizados no mercado, devido à alta na oferta. Isso induz o produtor e a venda de outras categorias aumenta consideravelmente, inclusive para o abate.
Sem matrizes, o preço do bezerro que vai compor a reposição do boi gordo aumenta, sem mencionar a falta de novilhas e matrizes para reprodução, alimentando a escassez de oferta do boi gordo. Isso se repete e gera esse círculo econômico desfavorável, aparentemente sem fim. Então, temos o ciclo:
A partir da intensificação dos processos, temos um ciclo pecuário atualmente com cerca de 5 anos, sendo que a realidade anterior era de 8 anos. Essa redução tem muito a ver com a precocidade dos animais, relação direta com o melhoramento genético, bem-estar, oferta de plano alimentar e sanitário e acompanhamento de perto.
A partir da adoção de boas práticas, se contribui diretamente com o bem-estar dos animais.
A partir daí, a questão principal passa a ser: como adotar medidas de boas práticas melhorar seu fluxo produtivo?
A sustentabilidade como diferencial
A qualidade extrínseca da carne, medida por fatores como o manejo adotado, bem-estar, ambiente, sustentabilidade, comércio justo e rastreável, é foco de uma massa de consumidores cada vez mais consciente.
Voltar a atenção a esses pontos é fundamental, uma vez que esse interesse parte dos compradores e consumidores.
A estrutura na qual a pecuária está inserida, onde o valor da carne flutua com baixa influência do criador, tornam extremamente necessária a diferenciação e o incremento de valor agregado.
A fim de alimentar essa massa consumidora, nascem iniciativas que olham o entorno, respeitam a capacidade de regeneração e vão ganhando cada vez mais espaço, em uma diversidade de selos, tais como: “orgânico”, “transparência nos processos produtivos”, “rastreabilidade”, “verde e 100% natural”, “respeito as cinco liberdades” enfim, um manejo com respeito a vida produtiva.
Diante disso, por não ser bem clara a relação entre os elos na cadeia produtiva, o produtor assume o posto de refém. Resultado? Baixa adesão a mudança de atitude, que resulta em um ciclo longo e de valor estimado baixo.
Por outro lado, sistemas integrados de produção, melhoramento genético aliado a um gerenciamento de rebanho eficiente, a partir do controle adequado dos dados de cada animal devidamente identificado, são considerados medidas promissoras, daí o motivo do ajuste perfeito nomeado manejo racional de boas práticas.
Além de potencializar os resultados zootécnicos, desenvolvem novos negócios com vistas à diferenciação do produto pela sua qualidade.
Integrando esse tipo de conhecimento ao ciclo pecuário, se estabelece uma cadeia produtiva com elos fortes e com raízes profundas na utilização inteligente dos recursos disponíveis, resultando em maior sustentabilidade.
Como introduzir as boas práticas na produção pecuária
Uma vez contextualizada a realidade do mercado e da economia pecuária, impor os ajustes abrange o que já é consolidado. Voltar a atenção aos detalhes, nesse caso, é o que vai trazer sucesso.
A tendência do mercado é notavelmente entrelaçada com as exigências marcantes e acentuadas de uma sociedade cada vez mais consciente. Esse cenário parte de uma crescente de interesse por questões sanitárias, ambientais, de respeito ao bem-estar e senciência animal, bem como a responsabilidade corporativa e comércio justo.
Sendo assim, defina uma sequência de boas práticas no contexto do seu negócio. Para tanto, seguem orientações claras e específicas que podem direcionar melhor sua mudança de atitude:
- Comece por entender a sequência de medidas sugeridas em nossos artigos de Boas Práticas – identificação, alimentação, reprodução, sanidade e transporte (linkados no início deste artigo);
- Ofereça espaço adequado para o rebanho: por se tratarem de presas, a contenção prolongada dos bovinos causa estresse invariavelmente;
- Forme lotes de até 150 animais: ofereça cerca de 15 dias para estabelecimento de hierarquias e relações;
- Mudanças nas dietas precisam de tempo para haver adaptação completa e boa digestibilidade, por isso respeite esse tempo de forma gradativa;
- Adote práticas de manejo que facilitem a adaptação dos bovinos, o que inclui tempo de convívio com indivíduos diferentes e observação constante;
- Identificação e gestão dos dados zootécnicos é vital: planejamento e direcionamento correto das atividades têm relação direta com a gestão adequada;
- Levar em conta o tempo de recuperação após o desembarque do transporte, que é de 12 a 24 horas. Em viagens mais longas, de 24 a 48 horas;
- Evitar manejos invasivos e agressivos. Dê preferência para pessoas que gostam de trabalhar com animais;
- Qualquer animal com comprometimento de saúde precisa ser apartado e conduzido aos cuidados necessários: atenção e observação constantes são parte do processo;
- Cochos limpos, assim como os bebedouros, sempre em ótimas condições: importante ponto de vitalidade;
- Mantenha cuidado maior nas áreas próximas ao cocho e bebedouros: formação de lama é comum, o que deve ser evitado, assim como o livre acesso precisa ser garantido a todos os animais;
- Componha no plano de produção, áreas sombreadas e acesso a umidade do ar adequada: podem parecer fatores de baixa influência, porém caso não observados podem afetar seriamente o desenvolvimento.
Aplicar um manejo de boas práticas no dia a dia
O potencial é tão alto que garante acesso a qualquer pecuarista. O empenho em encaminhar animais de alto nível, que passaram por um manejo cuidadoso em todo o processo, resulta em maior aceitação no mercado de consumo, inclusive, com valor de venda mais alto a nível internacional.
Aderir às boas práticas na sua propriedade é um processo diário e conciliativo, ou seja, com medidas aplicadas no dia a dia. Ao absorver entendimento para direcionar seu trato com os animais, seu resultado pode acompanhar o nível de crescimento que os rebanhos bovinos vêm atingindo em nosso país, em escala crescente.
Portanto, em resumo, preparamos o infográfico abaixo, para que você entenda como o manejo racional atua diretamente no desenvolvimento dos pilares-base do ciclo produtivo pecuário, os quais são moldados de acordo com a procura consciente do mercado consumidor.
Sendo assim, até o presente momento, a condução de cada artigo com o tema das boas práticas procurou focar no repasse de conhecimento simples e ao mesmo tempo profundo, que proporcione maior acesso à evolução do ciclo pecuário.
Acreditamos que a partir da disseminação de conteúdo e apropriação dessa poderosa ferramenta, o mercado consumidor pode pressionar e exigir do setor industrial e de segmentação de produtos, o que invariavelmente eleva o produtor e criador a outro patamar, ou seja, um know-how de investimento e clareza com a certeza de retornos sustentáveis e financeiros.
E então, gostou desse artigo? Aproveite e acesse também nosso post Pecuária de precisão: um novo olhar para a produção animal. Boa leitura!