Aditivos Funcionais: O que são e potencial utilização em Aquicultura

Aditivos Funcionais: O que são e potencial utilização em Aquicultura

As rações utilizadas em aquicultura são elaboradas a partir de um grande número de ingredientes e, quando são oferecidos ao animal, suprem suas necessidades nutricionais, promovendo um adequado desempenho de suas funções fisiológicas, como crescimento, reprodução e a manutenção de um sistema imunológico eficiente.

Para garantir que os nutrientes da dieta sejam ingeridos, digeridos, absorvidos e transportados para as células, um número crescente de aditivos alimentares não-nutritivos têm sido utilizados em rações para organismos aquáticos.

Aditivos Funcionais na criação de peixes
Os aditivos funcionais são são utilizados no combate à doenças que podem ocorrer na criação de peixes.

A gama de aditivos utilizados em rações aquáticas é extensa. Determinados aditivos tem o objetivo de melhorar a qualidade da ração, (como por exemplo, os aglutinantes de peletes, antioxidantes e conservantes de ração, como os antimicrobianos e compostos antimicrobianos).

Alguns, como as enzimas, são usadas com a finalidade de aumentar a disponibilidade de determinados nutrientes nos alimentos (proteases, amilases), bem como eliminar a presença de certos fatores antinutricionais (fitase, polissacarídeos não-amiláceos – NSP).

Outros aditivos são usados como melhoradores do desempenho e saúde dos animais. Este conceito de alimentos funcionais representa uma nova tendência para o desenvolvimento de dietas para peixes e crustáceos.

Ganho de peso

O processo que transforma a ração em ganho de peso se inicia no sistema digestório do animal. Já é bem relatado na literatura que o trato gastrointestinal dos organismos aquáticos é responsivo e sensível a um grande número de estressores.

Intimamente relacionado ao estado de saúde do animal está uma microbiota intestinal bem equilibrada, que auxilia no processo digestivo e absortivo e protege o hospedeiro contra patógenos invasores.

Portanto, o manejo da microbiota intestinal é um ponto importante para alcançar uma boa eficiência alimentar, crescimento e saúde animal.

Ração destinada à criação de peixes
A qualidade da ração é um dos fatores importantes para o sucesso na criação de peixes.

Diferentes estratégias têm sido utilizadas para combater problemas decorrentes enfermidades causadas por bactérias e vírus em aquicultura, sendo ainda a quimioterapia a abordagem mais comumente usada, por meio do uso (muitas vezes indiscriminado) de altas quantidades de antibióticos e produtos químicos.

No entanto, hoje em dia, existem opções mais sustentáveis de gerenciar estes problemas, sendo uma delas a complementação das dietas com alimentos funcionais, com a finalidade de modular a saúde e o desempenho dos animais.

Existem diversas opções de aditivos disponíveis para essa finalidade, que inclui o uso de probióticos, prebióticos, imunoestimulantes, nucleotídeos, substâncias fitogênicas ou plantas medicinais e ácidos orgânicos.

Cada tipo de aditivo funcional será brevemente discutido a seguir.

Probióticos

O equilíbrio da microbiota intestinal dos organismos aquáticos pode ser melhorado por meio do uso de probióticos. Os probióticos são definidos como microrganismos vivos capazes de colonizar, se estabelecer e multiplicar no intestino do hospedeiro, proporcionando, desta maneira, o equilíbrio da microbiota intestinal, beneficiando o hospedeiro.

Estes aditivos possuem efeito antimicrobiano por promover estabilidade microbiana intestinal, secretando substâncias antibacterianas (bacteriocinas e ácidos orgânicos), competindo com patógenos pelo local de adesão no intestino, competindo por nutrientes vitais para a sobrevivência do patógeno ou produzindo um efeito antitoxina.

Aditivos Funcionais: modo de ação dos probióticos em peixes
Modo de ação dos probióticos em peixes. Fonte: Chauhan e Singh (2018).v

Além disso, os probióticos melhoram a qualidade da água cultivo nos sistemas de produção aquícolas.

Dentre os vários probióticos utilizados em aquicultura, destacam-se as bactérias de ácido láctico (por exemplo, Lactobacillus spp., Pediococcus spp., Enterococcus spp.) e os Bacillus spp., que já demonstraram melhorar o crescimento e / ou a utilização de nutrientes em várias espécies de interesse em aquicultura.

Prebióticos

Os prebióticos são fibras não digestíveis que estimulam o crescimento e a atividade de bactérias benéficas, capazes de proporcionar um ambiente intestinal saudável ao hospedeiro (Gibson e Roberfroid, 1995).

Também promovem alterações nas características anatômicas do trato gastrintestinal do hospedeiro, como o aumento da superfície de absorção da mucosa intestinal (microvilosidades), permitindo uma maior absorção de nutrientes, além do potencial de melhorar as respostas imunológicas dos animais aquáticos, reduzindo a mortalidade causada por patógenos.

Os prebióticos mais comumente utilizados em aquiculturansão os frutooligossacarídeos (FOS), os mananoligossacarídeos (MOS), galactooligossacarídeos (GOS) e inulina.

É importante salientar que todos os prebióticos são fibras, mas nem todas as fibras podem ser consideradas prebióticos. Os principais critérios para a definição de um prebiótico são: a resistência à acidez gástrica e absorção no trato gastrintestinal superior dos peixes; ser facilmente fermentável pela microbiota intestinal; ser benéfico para a saúde do hospedeiro; e deve estimular seletivamente a ação dos probióticos.

Ácidos/Sais orgânicos

A acidificação de dietas, por meio da inclusão de ácidos orgânicos, tem sido amplamente utilizada na nutrição animal, sendo um aditivo alimentar promissor na função de melhorar o desempenho zootécnico e a saúde intestinal dos organismos aquáticos.

Os ácidos orgânicos compreendem os ácidos graxos de cadeia curta, ácidos graxos voláteis ou ácidos carboxílicos débeis tais como ácido fórmico, ácido cítrico, ácido benzoico e ácido lático.

O diformiato de potássio (KDF) foi a primeiro promotor de crescimento não antibiótico aprovado pelo Conselho Europeu a ser utilizado na produção animal, principalmente pela indústria de aves e suínos, bem como na aquicultura.

Além do KDF, os ácidos orgânicos mais estudados e utilizados comercialmente são o ácido cítrico, ácido fórmico, ácido láctico, ácido propriônico e ácido fumárico.

Estes aditivos agem no trato gastrintestinal de duas maneiras: pela redução do pH no estômago e intestino delgado, contribuindo para uma melhor atividade digestiva das enzimas, promovendo um ambiente inadequado para o desenvolvimento de patógenos; e inibindo o crescimento de bactérias gram-negativas, por meio da dissociação dos ácidos e a produção de ânions nas células bacterianas.

Aditivos Funcionais: ação dos ácidos orgânicos contra microorganismos patogênicos.
Modo de ação dos ácidos orgânicos contra microorganismos patogênicos. Os ácidos orgânicos indissociados atravessam a parede celular da bactéria por meio de difusão passiva e se dissociam dentro do citoplasma, diminuindo o pH citoplasmático. Eventualmente, as enzimas celulares e os sistemas de transporte de nutrientes são suprimidos, resultando em danos irreversíveis à célula microbiana, muitas vezes causando a morte. Extraído de: Ng & Koh, 2016.

Enzimas exógenas

Os fatores antinutricionais, presentes em determinados alimentos que compõem a dieta, comprometem o crescimento e o desempenho dos organismos aquáticos. Nesse sentido, a suplementação das dietas com enzimas exógenas apresentam-se como uma solução para este problema.

Dentre as enzimas exógenas mais freqüentemente estudadas em aquicultura estão a fitase, carboidrase, protease, α-amilase, lipase e pepsina.

A maioria dos estudos a respeito da inclusão de enzimas em dietas para espécies de interesse em aquicultura estão concentradas na aplicação de fitase. Até 80% do fósforo presente nos produtos de origem vegetal se encontra na forma de fitato.

Para os peixes, a digestibilidade e biodisponibilidade de fósforo na forma de fitato é muito baixa. Desta forma, a inclusão de fitase melhora a utilização e digestão do fósforo e proteínas, reduzindo a excreção de fósforo no ambiente de cultivo.

Atualmente, um dos principais gargalos para a utilização de enzimas em rações para aquicultura está relacionado ao efeito da temperatura sobre a estabilidade destas enzimas durante o processo de extrusão, as perdas por lixiviação na água, além da eficácia das destas enzimas microbianas serem prejudicadas quando fora da sua faixa de temperatura ótima (por volta de 37 °C).

Nucleotídeos

Os nucleotídeos desempenham diversas funções fisiológicas e bioquímicas essenciais, como codificação da informação gênica, modulação do metabolismo energético, atuação como componentes de coenzimas, dentre outros. São formados por uma base nitrogenada, uma pentose e um grupo fosfato. Como subunidades dos ácidos nucleicos, os nucleotídeos são essenciais para a transmissão da informação gênica.

Estrutura de um nucleotídeo
Estrutura de um nucleotídeo. Fonte: https://md.uninta.edu.br/geral/bioquimica/.

Tradicionalmente, os nucleotídeos não são considerados como nutrientes essenciais, já que sintetizados pelo organismo e também pelo fato dos organismos aquáticos não demonstrarem sinais de deficiência, mesmo quando alimentados com rações sem a adição de nucleotídeos.

Estudos têm demonstrado efeitos positivos da inclusão de nucleotídeos em dietas para aquicultura, como a melhora da resposta imune, estabilidade da microbiota intestinal, além de melhor desempenho zootécnico em peixes e camarões.

Fitogênicos / Plantas medicinais

Os fitogênicos constituem uma classe relativamente nova de aditivos para rações que vem ganhando interesse dentro da aquicultura. Os aditivos fitogênicos são produtos derivados de plantas que quando adicionados às rações promovem melhora significativa no desempenho animal.

Estes aditivos compreendem produtos originados de raízes, folhas, frutos, tubérculos, ervas ou especiarias. Geralmente estão disponíveis tanto na forma sólida, seca ou triturada, quanto na forma de óleos essenciais.

Os teores de substâncias ativas nestes aditivos podem variar, dependendo da parte da planta utilizada, época de colheita e localização geográfica.

Matéria prima dos aditivos
Uma grande variedade de plantas e especiarias têm sido utilizada como matéria prima para elaboração de aditivos fitogênicos. Fonte: Biomin (divulgação).

Os fitogênicos promovem diversos efeitos benéficos ao animal, como o estímulo de apetite e crescimento, ação antimicrobiana, estimulação dos sucos gástricos, modulação da microbiota intestinal, fortalecimento do sistema imune, além das propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias.

A utilização de plantas medicinais como aditivos funcionais em aqüicultura é promissora, pois são de custo relativamente baixo, de fácil preparação, apresentam poucos efeitos colaterais e não são nocivos ao ambiente.

Microalgas

As microalgas são um grande grupo de microrganismos fotossintéticos unicelulares, que variam de 2 a 20 μm de diâmetro.

Apresentam-se como uma ótima fonte de proteína (espirulina – 60 a 90%), gorduras (ácidos graxos poliinsaturados, HUFAs), polissacarídeos, vitaminas, antioxidantes, pigmentos, dentre outros.

As microalgas são atualmente usadas como alimento vivo para larvas de peixes e crustáceos. As espécies mais comumente utilizadas são Chlorella, Tetraselmis, Isochrysis, Pavlova, Phaeodactylum, Chaetoceros, Nannochloropsis, Skeletonema e Thalassiosira.

Para que uma espécie de microalga seja de eficiente em aqüicultura, é recomendável que ela satisfaça alguns critérios, como facilidade de cultivo, alto valor nutricional, ausência de toxicidade e parede celular digestível, permitindo a disponibilidade de nutrientes.

Aditivos Funcionais: microalgas alimento em rações
Microalgas: um alimento nutritivo e sustentável em rações para aquicultura. Fonte: Dineshbabu et al., 2019.

Diversos estudos têm demonstrado que a combinação de diferentes espécies de algas (mix) como aditivo alimentar, tem promovido melhor desempenho e crescimento em diversas espécies de peixes.

Imunoestimulantes

Os imunoestimulantes são compostos de natureza variada que podem ser utilizados como aditivos em dietas para organismos aquáticos. Eles modulam o sistema imune, promovem redução do estresse e aumentam a resistência às doenças.

Estes produtos microbianos ou microorganismos inativados incluem os β-glucanos, lipopolissacarídeos, peptidoglicanos, lactoferrina e a quitina. Os β-glucanos são os aditvos imunoestimulantes mais amplamente estudados nos animais aquáticos, e podem ser encontrados principalmente nas paredes celulares de leveduras, bem como cereais, algas, bactérias e fungos.

Os β-glucanos são considerados moduladores da resposta biológica, pelo fato de, ao serem reconhecidos pelo organismo, têm a capacidade de desencadear uma série de funções na resposta imune.

Estes compostos são extremamente eficientes em animais imunocomprometidos, uma vez que estes são mais propensos a infecções por bactérias, fungos e vírus multi-resistentes.

Beta-glucano no trato gastritestinal
Mecanismo de ação do beta-glucano no trato gastritestinal. Extraído de Wang et al., 2020.

Inúmeros estudos indicam que a ingestão contínua de β-glucanos reduz as ocorrências de doenças em organismos aquáticos, com conseqüente redução das taxas de mortalidade, devido ao seu efeito de proteção no organismo, através da modulação do sistema imune.

Perspectivas da utilização de aditivos funcionais em Aquicultura

O rápido avanço da aqüicultura no país exige o desenvolvimento de tecnologias que proporcionem maior controle do ambiente aquático, e consequentemente maiores ganhos em produtividade e qualidade no cultivo de organismos aquáticos.

A nutrição é um ponto chave para o desenvolvimento da cadeia produtiva em aquicultura. Neste sentido, a utilização de aditivos funcionais em rações para organismos aquáticos no Brasil é extremamente promissora.

Além de seus benefícios comprovados sobre a saúde animal, produtividade e lucratividade, estes aditivos apresentam um grande apelo relacionado à sustentabilidade da cadeia de produção aquícola, uma vez que geram menor impacto ao meio ambiente e se mostram como uma alternativa viável ao uso de antibióticos.

Confira também: 4 pontos a considerar na compra de alevinos

Referências

Bharathi, S., Antony, C., Cbt, R., Arumugam, U., Ahilan, B., Aanand, S.. Functional feed additives used in fish feeds. International Journal of Fisheries and Aquatic Studies, 2019, 7(3): 44-52.

Dawood, M.A.O., Koshio, S., Esteban, M.A. Beneficial roles of feed additives as immunostimulants in aquaculture: a review. Reviews in Aquaculture, 2017, 0:1–25. https://doi.org/10.1111/raq. 12209.

Dineshbabu, G., Goswami, G., Kumar, R., Sinha, A., and Das, D. (2019). Microalgae-nutritious, sustainable aqua- and animal feed source. Journal of Functional Foods 62:103545. doi: 10.1016/j.jff.2019.103545

Encarnação, P. (2016). Functional feed additives in aquaculture feeds. In: Aquafeed formulation (ed. by S. F. Nates), pp. 217–236. Elsevier, Amsterdam.

Ng, W. K.; Koh, C. B. The utilization and mode of action of organic acids in the feeds of cultured aquatic animals. Reviews in Aquaculture, 2017, 9(4), 342-368.

Rodriguez-Estrada, U.; Ranzani-Paiva, M. J. T. (2019). Aditivos funcionais nas rações para aquicultura. In: Biotecnologia e sanidade de organismos aquáticos (85-114) Ed. ABRAPOA (Associação Brasileira de Patologistas de Organismos Aquáticos).

Wang, H.,  Chen, G., Li, X., Zheng, F., Zeng, X. Yeast β-glucan, a potential prebiotic, showed a similar probiotic activity to inulin, Food & Function, 2020, 11, 10386-10396.

Post Relacionado