Não importa qual o motivo, seja no início ou final da vida, em algum momento o transporte do gado será uma realidade. Então, por que não garantir as melhores condições de viagem?
Atualmente, comitivas de gado são eventos raros, e levar os rebanhos de um ponto a outro é uma questão regulamentada, então, vale a pena conhecer mais detalhes e garantir o cumprimento das boas práticas também nessa fase. Lembrando que, para receber o valor de suas arrobas, seu animal deve chegar em ótimas condições ao destino.
Sendo assim, dando continuidade à nossa série de Boas Práticas no Manejo do Gado, preparamos este artigo, no qual separamos o manejo do transporte em etapas. Cabe ressaltar que o total controle do criador se resume a etapa 1, mas conhecer e dominar as etapas 2 e 3 pode garantir mudanças importantes. Portanto, confira o artigo e adote as boas práticas no transporte do gado!
O que está envolvido no transporte de carga viva?
O transporte de carga viva envolve – a princípio – levar de um ponto a outro, seres vivos e sencientes. Nesse sentido, no século 21 a produção animal do mundo vem adotando um viés de cadeia sustentável, em virtude de agregar valor e promover a saúde e o bem-estar.
Com isso em vista, tenha em mente que produzir de forma sustentável para garantir bom uso e até renovação dos recursos naturais não afeta negativamente o bem-estar animal, aliás, pelo contrário. Sendo assim, é preciso aprender como fazer isso, do começo até o fim da cadeia produtiva.
Por isso, para fins didáticos, separamos o manejo do transporte em 3 etapas. Apesar do pecuarista ter sob o seu controle apenas a etapa 1, a partir das bases consistentes para o transporte de sua boiada é possível minimizar o estresse e seu impacto. Lembre-se, se o seu produto final tiver avarias pode atingir uma alta desvalorização!
Nesse contexto, priorize as necessidades dos animais, considere e conheça a fundo todas as etapas envolvidas. Veja a seguir o detalhamento de cada uma delas.
Leia também: Conheça quais são as regras e cuidados no transporte de animais.
Etapa 1
Na primeira etapa, considera-se o plano de venda, o embarque, e um olhar atento para o seu lote, visando garantir sua qualidade.
Plano de venda
Determinar um plano de venda é muito importante e viabiliza a tomada de decisões. Por isso, recomenda-se conhecer bem os possíveis compradores de suas arrobas. Considere:
- A distância dos principais compradores;
- Lotes com peso bem definido;
- Sempre acompanhar o mercado de commodity da carne;
- Negociar diretamente;
- Certificar-se do responsável pelo transporte (frigorífico, transportadora ou motorista);
- Quantos veículos serão necessários e a capacidade de carga de cada um;
- O acesso ao rebanho: estradas internas das fazendas e rampas de acesso precisam estar em ótimas condições;
- Conduzir seus animais com antecedência de 1 dia, especialmente aqueles de pastos distantes;
- Para o embarque, os animais devem estar descansados e hidratados.
Ademais, atenção para um ponto muito importante: estabelecer um plano de emergência previamente e estar preparado, conhecendo as fazendas no percurso que podem ser uma opção de parada é uma atitude necessária e deve ser considerada em conjunto com o motorista, que passa a ser responsável pela etapa 2 em diante.
Embarque
O embarque dos animais precisa ser cuidadosamente acompanhado. Animais debilitados ou com alguma condição sanitária especial precisam ser destinados à recuperação e não estão aptos ao transporte.
Medida prática de ajuste: tenha respeito ao separar seus animais em lotes. O risco de colocar muitos animais em um mesmo caminhão é de potencializar o estresse e facilitar as lesões. Bovinos que não pertencem ao mesmo lote podem se tornar agressivos e aumentar ainda mais o estresse, levando a grandes prejuízos.
É importante dedicação com o embarcadouro, que pode ser em linha reta ou não, preferencialmente com todas as paredes laterais vedadas, a fim de evitar a distração, estresse, ou mesmo riscos de fraturas graves.
Às vezes, os caminhões precisam realizar manobras, por isso, ofereça condições para que isso seja possível. A altura ideal do embarcadouro é de 1,4 metro, com inclinação menor que 20°. A condução dos lotes deve acontecer de forma tranquila, sem uso de choque ou agressão verbal.
Confira também: 10 produtos feitos a partir do Boi que você nem imagina.
O olho do criador é que garante a qualidade
Adote a postura de respeito pelo animal e por todo o investimento realizado. Somente transporte animais aptos e os conduza até o embarque em lotes previamente formados, com a quantidade recomendada de acordo com o que o caminhão suporta.
Tocar os animais e deixá-los apartados já com antecedência é uma medida importante, assim como certificar-se de que todas as imunizações tenham sido realizadas pelo menos 7 dias antes, uma vez que o estresse gerado pelo transporte pode interferir em imunizações recentes.
Animais feridos, debilitados, fracos ou desidratados podem ser um grande prejuízo no percurso. Além disso, animais em fase final de gestação, ou em categorias diferentes no mesmo transporte, como vacas e bezerros, não são uma boa escolha, pois há risco eminente no trajeto.
Entregar a documentação legal ao condutor, com absoluta certeza de todos os detalhes descritos em relação à categoria animal, condição sanitária, idade e demais dados zootécnicos, é, além de um cuidado, uma exigência para o transporte do gado. Conte com a ajuda técnica de um médico veterinário aprovado pelo MAPA.
Etapa 2
Na segunda etapa, considere os seguintes pontos: motorista treinado e preparado, veículo apropriado e em plenas condições de receber seu lote e avaliação das necessidades da carga viva.
Motorista treinado e preparado
Lidar com animais exige preparo e conhecimento básico acerca do comportamento inerente e das necessidades básicas de cada espécie. Sendo assim, é muito importante que o motorista, além de estar completamente preparado em termos legais, tenha um mínimo de ambiência com a espécie animal que vai transportar.
O embarque dos animais é de responsabilidade dos proprietários da fazenda, mas as condições do veículo, bem como a documentação em dia e a categoria da CNH (Carteira Nacional de Habilitação), assim como cursos exigidos nessa área, são de total responsabilidade do motorista boiadeiro.
O preparo de um motorista boiadeiro envolve conhecimento e experiência em direção defensiva, noções em bem-estar animal, treinamento constante e especialmente prático, sem descuidar dos cursos periódicos. Inclui treinamento para realizar a contenção de animais, o socorro ou até mesmo o abate de emergência, caso seja necessário.
Veículo apropriado e em perfeitas condições
Existem três principais tipos de veículo utilizados no transporte de animais:
- Caminhão truck: veículo não articulado com três eixos;
- Carreta: articulado com 2 pisos de compartimento de carga;
- Bi-trem ou Romeu e Julieta: veículo duplo-articulado, composto por dois compartimentos de carga independentes, ambos com um piso.
O veículo interfere na condução dos animais, especialmente a conservação e limpeza desse veículo. Embora muitas vezes o produtor não esteja 100% no controle dessa etapa, já que o caminhão é de terceiros na maioria das vezes, ainda assim, é fundamental se certificar de que haja ótimas condições para realizar o transporte da quantidade de animais planejada.
Rampas muito inclinadas dificultam o acesso dos animais, por isso, é necessário atenção redobrada nos veículos de compartimentos de carga independentes, sem mencionar o fato de que vãos e má conservação ou acúmulo de lama no piso do caminhão são potenciais riscos de graves lesões.
Avaliações das necessidades de sua carga viva
O tempo limite de uma viagem transportando carga viva é de 12 horas e isso não exime a necessidade de paradas em locais frescos com oferta de água. Caso ultrapasse o tempo limite, é vital considerar local seguro para os soltar os animais, escopo presente nos planos de emergência.
Destaque ainda para a necessidade de um ritmo para ambientação dos animais, ou seja:
- Ao término do embarque de todos os animais, certifique-se de que todos estão bem posicionados e em boas condições, se aclimatando, para só então seguir viagem;
- Após percorrer cerca de 10 minutos, pare e verifique novamente como estão os animais e somente aí, em velocidade ainda reduzida, siga viagem, sempre com cautela;
- Ao realizar as paradas de descanso, opte por áreas sombreadas e se certifique que todos os animais estejam bem;
- Uso de choque para que algum animal caído se levante apenas em último caso e nunca colocar o bastão de choque em contato direto com mucosa.
Veja também: Boas práticas na identificação do gado.
Etapa 3
A terceira etapa, por sua vez, envolve o plano de viagem e logística, a documentação legal e respeito às normas e exigências e o desembarque.
Plano de viagem e logística
Considerar todas as possibilidades e intercorrências possíveis faz parte de um escopo de plano de viagem e confere maior segurança ao motorista, que é o responsável pelos animais em todo o percurso.
O Brasil é um país com rodovias que oferecem baixas condições adequadas de trânsito. Essa inviabilidade de trânsito normal acarreta em menor facilidade e maior tempo de viagem com os animais.
Além disso, os centros urbanos é que estão próximos aos frigoríficos. Por outro lado, a concentração dos rebanhos bovinos está onde há maior disposição espacial para manter os rebanhos. Isso exige que o transporte seja o mais eficiente possível.
Defina muito bem o percurso e acrescente as paradas de emergência, que são muito necessárias e vão contribuir com o processo. Esse cuidado pode garantir o respeito ao trabalho e aos animais.
Documentação legal e respeito às normas e exigências
Veja, no link abaixo, o Manual de Procedimentos para o Trânsito de Bovinos e Bubalinos do Ministério da Agricultura e Pecuária:
Por se tratar de uma atividade regulamentada no Brasil, é essencial cumprir as regras de acordo com as instruções governamentais. Esse cuidado é o proceder correto, além de proporcionar maior segurança tanto para o pecuarista e motorista quanto para o comprador.
Desembarque
Essa etapa fica por conta dos receptores, que geralmente são os frigoríficos, e esses contam com técnicos que são especializados nessa atividade. Há uma equipe de SIF (Serviço de Inspeção Federal) que acompanha o lote.
O curral ou piquete deve ser limpo e dispor de água fresca, ideal para comportar os animais.
A responsabilidade de repassar as informações de todo o trajeto, assim como a documentação de viagem e ainda se certificar de que todos os animais estejam em pé em plenas condições, nesse caso, ainda é do condutor. Não se apressar e ter calma é fundamental.
O ambiente novo e todo o trajeto já percorrido geram grande estresse nos animais, portanto, choque ou qualquer outro tipo de agressão torna tudo ainda mais desafiador. Uma adoção racional de manejo por parte do condutor nessa etapa, assim como do receptor, garantem respeito e alto nível ao final da cadeia.
Do ponto de partida ao ponto de chegada!
Uma coisa é certa: a pior distância é entre os criadores e os rebanhos. Inicialmente, esse distanciamento traz a redução drástica da empatia por parte do criador, o que resulta em sofrimento desnecessário aos animais.
A mudança de postura, adotando maior proximidade, trata-se muito mais do respeito a uma criação sustentável, de elevar o bem-estar dos animais e fechar seu ciclo produtivo de forma digna, com vistas a um manejo mais racional e com alto potencial de valorização do produto final.
A aplicação das boas práticas no manejo do seu rebanho é o diferencial que vai contribuir para uma realidade produtiva mais sustentável, de respeito produtivo e aumento do potencial. Opte em fechar o ciclo com total dedicação aos pontos que merecem cuidado, portanto, aderir às boas práticas no transporte dos seus lotes é um caminho essencialmente superior.
E então? Gostou desse conteúdo? Aproveite e leia também nosso penúltimo artigo da série de boas práticas: Boas práticas na sanidade do gado. Boa leitura!