Seaspiracy: Mar Vermelho, documentário lançado recentemente pela Netflix, apresenta como proposta investigar os efeitos da pesca predatória nos ecossistemas aquáticos.
Nele, o diretor e narrador, Ali Fabrizi, viaja pelo mundo para denunciar os diversos impactos ambientais promovidos pelas práticas pesqueira ilegais, como o abate de golfinhos e baleias, utilização de mão-de-obra escrava e abuso dos direitos humanos.
Apesar da boa proposta, o filme falha miseravelmente em diversos aspectos, promovendo uma série de desinformações.
Não entrarei aqui na discussão de que os oceanos estão correndo um sério risco, devido às mudanças climáticas, a poluição por plásticos, o despejo de materiais poluentes ou abuso dos direitos humanos e animais, pois estes são problemas reais com soluções complexas.
Porém, em determinado ponto do longa, é citado que não há a possibilidade de o pescado ter origem de uma prática sustentável, e que o termo sustentável supostamente não existe. De quebra, ainda traz a declaração infundada de que a piscicultura seria a “pesca selvagem disfarçada”.
Importância da aquicultura
Com o aumento da população mundial e a demanda crescente pelos recursos hídricos houve um expressivo declínio da pesca, estimulando o desenvolvimento de tecnologias e incentivos à produções em cativeiro para suprir o mercado.
Apesar da pesca extrativista ainda ser bastante significativa, é a aquicultura que vem garantindo o crescimento da produção do pescado nas últimas décadas (FAO, 2020).
De 1961 a 2018, houve um crescimento considerável no consumo per capita de pescado, passando de 9 kg para 20,5 kg (um crescimento aproximado de 3,1%, superior as demais proteínas animais), em virtude do aumento populacional e da busca por alimentos mais saudáveis.
A aquicultura, assim como qualquer outra atividade produtiva, também provoca alterações no ambiente natural gerando impactos, tanto no meio biológico quanto no meio físico e socioeconômico.
Porém, embora muito se fale atualmente em sustentabilidade, poucos sabem o seu real significado e como alcançá-la.
O que é Aquicultura Sustentável?
Em síntese, o conceito de Aquicultura Sustentável pode ser entendido como a maneira desejável de produção de organismos aquáticos (peixes, camarões, rãs, dentre outros), sem prejuízos ambientais, com lucratividade e que promova benefícios sociais.
Isso significa que ela é sustentada por três pilares, propostos inicialmente pelo sociólogo britânico John Elkington na década de 90: sustentabilidade ambiental, econômica e social.
De maneira geral, a sustentabilidade ambiental preza pela interação dos processos produtivos com o ambiente sem que estes causem impactos permanentes.
A sustentabilidade econômica, atua no sentido do empreendimento aquícola ter viabilidade e ser atraente para investidores.
Por sua vez, a sustentabilidade social permite a geração de renda e criação de postos de trabalho assalariados, respeitando a cultura das comunidades locais.
A principal característica da aquicultura sustentável parte do pressuposto que os recursos naturais são finitos, rejeitando o crescimento ilimitado preconizado pela economia clássica.
Além disso, assume-se o compromisso de que cada geração tem a obrigação de deixar para a posterior uma quantia de recursos naturais equivalente àquela obtida.
Portanto, para atingir uma aquicultura sustentável, é essencial medir a sustentabilidade dos sistemas utilizados, das técnicas de manejo e das novas tecnologias disponíveis.
Algumas das ferramentas disponíveis para medir a sustentabilidade em aquicultura são: a análise do ciclo de vida, análise emergética, pegada ecológica, conjunto de indicadores e resiliência.
O caminho para a Sustentabilidade
A adoção de práticas e de sistemas de produção que adotem conceitos da sustentabilidade, como a utilização de boas práticas de manejo (BMP), é um bom caminho a seguir rumo à sustentabilidade.
Porém, é importante salientar que tão somente a adoção de BMP não garante a sustentabilidade na aquicultura.
As auditorias de certificação de Boas Práticas em Aquicultura (BPA) possibilitam que as empresas demonstrem o compromisso com a oferta de produtos sustentáveis e com segurança alimentar.
Um bom exemplo a ser citado é o da Global Aquaculture Alliance, responsável por desenvolver as normas BPA, um programa de certificação voluntário para aquicultores, abordando responsabilidade ambiental e social, práticas de bem-estar animal, rastreabilidade e segurança alimentar.
Esta certificação permite que aquicultores e empresas do setor assegurem aos consumidores que seus produtos são cultivados e processados de acordo com as boas práticas da indústria.
Neste sentido, o envolvimento das entidades governamentais, técnicos, instituições de pesquisa e universidades no estudo e implementação da sustentabilidade em aquicultura é de extrema importância.
Qualidade ambiental
Ações semelhantes a da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, por exemplo, que desenvolveu pesquisas associadas à sustentabilidade ambiental na aquicultura, com enfoque nas práticas de manejo e a qualidade ambiental.
Em um mundo cada vez mais globalizado, é essencial o desenvolvimento de um número cada vez maior de estudos relacionados à sustentabilidade da atividade aquícola, com a finalidade de contribuir para o aumento da produtividade e rentabilidade dos empreendimentos, com responsabilidade ambiental e social, e que possam ser empregadas em todas as regiões do país.
De fato, o caminho para alcançar a sustentabilidade em aquicultura é longo e desafiador, apresentando uma série de gargalos ecológicos, econômicos e sociais. Mas está distante de ser impraticável ou inexistente como afirma tendenciosamente o documentário.
Referências:
AHMED, N.; THOMPSON, S.; GLASER, M. Global aquaculture productivity, environmental sustainability, and climate change adaptability. Environmental Management (2019) 63:159–172.
BERLATO, L.F.; MERINO, G.S.A.D.; FIGUEIREDO, L.F.G. A Contribuição da Gestão de Design para a Sustentabilidade Empresarial. Colóquio Internacional de Design 2017, Blucher Design Proceedings, v. 4, p. 1-15, 2017.
ELKINGTON, J. The Triple Bottom-Line, Sustainability. London. (1997).
FAO. The State of World Fisheries and Aquaculture 2020. Sustainability in action. Rome. 2020. https://doi.org/10.4060/ca9229en
KIMPARA, J. M.; ZAJDJBAND, A. D.; VALENTI, W. C. Métodos para medir a sustentabilidade na aquicultura. Teresina: Embrapa Meio-Norte (2012), 71 p.
VALENTI, W.C.; KIMPARA, J.M.; PRETO, B.L.; MORAES-VALENTI, P. Indicators of sustainability to assess aquaculture systems. Ecological Indicators (2018) 88:402–413.
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