O sucesso de qualquer sistema de produção animal está associado à uma boa nutrição. Em piscicultura/aquicultura, os custos com alimentação representam aproximadamente 70% do custo final de produção (podendo chegar a 80% ou mais, dependendo do nível de intensificação).
Dessa maneira, a viabilidade econômica da atividade irá depender da adoção de um manejo alimentar adequado.
A indústria de rações para organismos aquáticos desenvolveu-se de maneira expressiva no Brasil nos últimos anos, com o desenvolvimento de novas dietas comerciais equilibradas, que promovem o crescimento ideal dos peixes, bem como a saúde destes animais.
Produção de rações para peixes no Brasil
Segundo dados do Sindirações a produção de rações para peixes somou 1,29 milhão de toneladas em 2020.
A previsão é que os hábitos de consumo impostos pela pandemia possam levar à demanda de 1,46 milhão de toneladas de rações para peixes em 2021, e assim repetir o avanço da ordem de 6% verificado no ano passado.
A composição nutricional da ração depende de uma série de fatores, como a espécie cultivada e o estágio de vida dos peixes.
Em sistemas intensivos com altas densidades, como no caso da produção de peixes em tanques-rede, onde não há a possibilidade de acesso aos peixes ao alimento natural (algas, fitoplâncton, zooplâncton, plantas, peixes, etc). Há a necessidade do oferecimento exclusivo de dietas completas.
Portanto, é essencial que, nesses casos, as rações forneçam todos os ingredientes necessários para o crescimento ideal e a saúde dos peixes (proteínas, gorduras, carboidratos, vitaminas e minerais).
Proteína na ração de peixes: um componente essencial
A proteína é o nutriente de maior importância em rações para peixes, tendo em vista que seu nível de inclusão e custo é relativamente alto quando comparados as demais espécies de interesse zootécnico.
Para se ter uma ideia, 65 a 75% do peso total em matéria seca dos peixes é constituído por proteínas.
Para uma adequada deposição de proteína no músculo, é necessário o fornecimento adequado deste nutriente, de maneira a proporcionar um bom aproveitamento e desempenho dos animais, sem excessos para que não ocorra o comprometimento da qualidade de água no ambiente de criação.
O fornecimento de proteína em quantidade inadequada ou insuficiente na dieta de peixes resulta em redução ou até mesmo interrupção do crescimento, devido à perda de peso ocasionada pela retirada de proteína de tecidos para a manutenção das funções vitais.
Teor de proteína na nutrição dos peixes
É bastante comum o piscicultor associar a quantidade de proteína de uma ração com sua qualidade, assumindo que “quanto maior o teor de proteína, melhor a ração”, o que nem sempre é verdade.
Os teores de proteína em uma ração estão diretamente associados a diversos fatores, dentre eles o hábito alimentar dos peixes. Aqueles de hábito carnívoro apresentam uma maior exigência em proteína, enquanto peixes herbívoros/onívoros requerem proteína em menores quantidades.
Os peixes consomem as proteínas para obter aminoácidos. A proteína digerida libera aminoácidos livres, que são absorvidos pelo trato intestinal e distribuídos pelo sangue para os diversos tecidos e órgãos. Esses aminoácidos são utilizados pelos tecidos para produzir novas proteínas.
Qualidade da proteína
Como dito anteriormente, mais importante que a quantidade de proteína em si é a qualidade da mesma.
A qualidade da proteína é definida pelo seu conteúdo de aminoácidos essenciais e não essenciais e por sua digestibilidade, ou seja, a proporção do nutriente consumido que está prontamente disponível para a absorção e utilização pelo organismo dos peixes.
Assim, uma ração pode apresentar um alto teor de proteína em sua composição, porém de baixa qualidade, devido ao desbalanceamento de aminoácidos, que resulta em um pior aproveitamento, redução do desempenho e maior excreção de nutrientes no ambiente aquático, com consequente piora da qualidade de água nos tanques de cultivo.
Neste sentido, a utilização do conceito de proteína ideal para peixes proporcionou melhora significativa no desempenho dos animais, com redução expressiva no processo de eutrofização, devido à menor excreção de nitrogênio para o ambiente.
O conceito de proteína ideal, proposto inicialmente por Mitchell e colaboradores na década de 60, define a existência de uma combinação ideal de aminoácidos, completa e prontamente disponível para digestão e metabolismo, podendo ser idêntica às exigências do animal.
O conhecimento deste perfil de aminoácidos permite a estimativa das exigências dos peixes. Devido a alta correlação existente entre a composição de aminoácidos da carcaça do peixe e as exigências determinadas em ensaios do tipo dose-resposta, é possível a formulação de rações balanceadas em aminoácidos, que maximizem o crescimento com maior digestibilidade e com menor impacto ambiental.
Relação Energia x Proteína
Os peixes são animais heterotérmicos, ou seja, eles variam sua temperatura corporal de acordo com temperatura da água.
Diante disso, eles não necessitam de energia para a manutenção da temperatura corporal, porém necessitam de energia para outros processos, como a formação de tecidos, reprodução, natação, dentre outros.
O consumo de ração dos peixes está diretamente relacionado à ingestão de energia.
Rações com excesso de energia em sua composição podem fazer com que os peixes fiquem saciados muito rapidamente, antes de consumir as quantidades necessárias de proteínas, vitaminas e demais nutrientes para seu crescimento ideal.
Além disso o excesso de energia em relação à proteína pode causar deposição de grandes quantidades de gordura nas vísceras e no corpo dos peixes.
Por sua vez, rações deficientes em energia promovem um aumento no consumo, e maior utilização de proteína para gerar energia, o que é indesejável, uma vez que a proteína é um componente caro da dieta, que deve ser direcionado para uma finalidade mais nobre, que é a deposição de músculo para composição do filé.
A relação Energia / Proteína ideal para peixes varia de 6 a 8 Kcal/g proteína, e este valor é menor quando comparado a outros monogástricos, que apresentam relação em torno de 14 a 20 Kcal/g proteína.
No entanto, assim como ocorre para a maioria dos animais, esta relação aumenta proporcionalmente de acordo com o aumento da idade e tamanho dos peixes.
Carboidratos
Os peixes não tem um requerimento específico de carboidratos, mas a inclusão deles na dieta é uma maneira barata de acrescentar energia na dieta. A capacidade dos peixes de utilizar os carboidratos para obter energia varia conforme a espécie e hábito alimentar.
Por exemplo, peixes carnívoros usam carboidratos de forma menos eficiente quando comparados às espécies herbívoras e/ou onívoras. Os ingredientes energéticos comumente utilizados em rações para peixes são o milho, o sorgo e o trigo.
Gorduras (Lipídios)
Os lipídios são moléculas orgânicas formadas por ácidos graxos, muito importantes como fontes de energia e essenciais para um crescimento adequado e a sobrevivência dos peixes. Eles contribuem para a absorção de vitaminas (lipossolúveis) e outros compostos, como os esteróis.
Os fosfolipídios e ésteres de esterol estão envolvidos em muitos processos metabólicos, como a produção de hormônios e esteróides. As cadeias de ácidos graxos poliinsaturados longas (PUFAs) são precursoras de prostaglandinas em peixes.
As recomendações de inclusão de lipídios, de acordo com pesquisas, indicam que os peixes necessitam de concentrações variando de 4 a 10% na dieta.
Para a formulação de dietas para espécies de peixes com exigências ainda desconhecidas, ou seja, para as quais ainda não se têm resultados de pesquisas, é recomendado a utilização de teores moderados de gorduras, em torno de 6 a 8%.
Vitaminas e Minerais
Os minerais são normalmente classificados como macro ou microminerais, dependendo das quantidades diárias necessárias na dieta. Os macrominerais são cálcio, fósforo, magnésio, cloreto, sódio, potássio e enxofre.
Os microminerais (também conhecidos como minerais-traço) incluem cobalto, cromo, cobre, iodo, ferro, manganês, selênio e zinco.
Pesquisas em nutrição de peixes têm dado atenção especial ao fósforo, que é o macromineral mais crítico nas dietas de peixes. O fósforo é um dos principais constituintes dos ossos e escamas dos peixes e também participa de diversos processos bioquímicos.
Deficiência de fósforo
A deficiência de fósforo na dieta causa redução da eficiência alimentar e do crescimento, bem como o comprometimento da formação do esqueleto em juvenis.
Outra preocupação está relacionada ao fato de que o fósforo excretado têm influência direta no processo de eutrofização da água.
Muitos esforços têm se concentrado no objetivo de minimizar esta excreção deste nutriente no ambiente aquático (como por exemplo, por meio da utilização de fitase, enzima que aumenta a disponibilidade do fósforo em alimentos de origem vegetal).
As vitaminas são compostos orgânicos, exigidos em pequenas quantidades e envolvidas em diversas processos essenciais, como crescimento, reprodução e saúde dos peixes.
Dentre as vitaminas consideradas essenciais para peixes estão: as lipossolúveis – A, D , E e K e as hidrossolúveis – B1, B2, B3, B5, B6, B12, colina, biotina, ácido fólico, inositol e vitamina C (ácido ascórbico).
As pré-misturas vitamínicas (ou “premixes”) disponíveis comercialmente são adicionadas às dietas formuladas para que os peixes recebam os níveis adequados de cada vitamina, independentemente dos níveis dos ingredientes dietéticos.
A estabilidade das vitaminas durante a fabricação e armazenamento da ração tem sido aprimorada ao longo dos anos com revestimentos protetores e/ou modificações químicas.
Isso é particularmente evidente no desenvolvimento de várias formas estabilizadas da vitamina C (ácido ascórbico), que é muito lábil, ou seja, é facilmente destruída pelo oxigênio, pH, calor e luz.
Deste modo, as deficiências de vitaminas são raramente observadas em produções comerciais de peixes.
Taxas, frequência e tempo de alimentação
A quantidade de ração a ser oferecida e o número de vezes (frequência alimentar) que os peixes devem ser alimentados ao dia pode variar de acordo com uma série de fatores, como a idade, a espécie de peixe, a temperatura da água, o teor de oxigênio dissolvido, a fase de crescimento e com a condição sanitária dos animais.
Uma das formas mais comumente utilizadas para quantificar a ração a ser fornecida baseia-se no conceito de biomassa, que nada mais é do que número estimado de peixes existentes em um tanque, multiplicado pelo valor de seu peso médio:
Biomassa (kg) = No de peixes x Peso Médio (kg);
Exemplo.: em um tanque com 1000 peixes realizou-se uma biometria onde foram pesados 100 peixes (10% do total), e o resultado obtido foi um valor total de 5 kg, logo:
Peso Médio = 5 kg / 100 peixes = 0,05 kg ou 50 g;
Em nosso exemplo: 1000 peixes x 0,05 kg = 50 kg de biomassa;
Supondo que nesta fase os peixes consumam 5% do seu peso vivo por dia (% PV/dia), a quantidade diária de ração a ser utilizada neste tanque será:
Quantidade ração = Biomassa x % PV/dia = 50 kg x 0,05 (5 %) = 2,5 kg de ração;
No exemplo, supondo uma frequência alimentar recomendada de 4x ao dia, obtemos a seguinte quantidade por refeição:
Quantidade de ração/trato = 2,5 kg / 4 = 0,625 kg ou 625 g
É importante salientar que para a maioria das espécies de peixes de interesse comercial já existem tabelas de arraçoamento disponíveis para a adequação da quantidade de ração a ser oferecida. A maioria das empresas de ração disponibilizam tabelas para uma correta e eficiente utilização de seus produtos.
Os horários de fornecimento de ração podem variar de acordo com a espécie produzida. Porém, o ideal é que se padronize o fornecimento da ração sempre nos mesmos horários, para que haja um condicionamento dos peixes.
Cuidados com a temperatura
É comum que com a queda da temperatura da água o consumo de ração também seja menor e, portanto, o seu fornecimento deve ser reduzido também. Em períodos frios, é necessário que a taxa de arraçoamento dos peixes seja recalculada.
Além disso, a adição de suplementos nas rações, como vitaminas (C e E) e probióticos é uma boa alternativa para aumentar a imunidade dos peixes no inverno.
A aceitabilidade, palatabilidade e digestibilidade de uma ração variam de acordo com os ingredientes utilizados e a qualidade dos mesmos.
Outro aspecto importante a ser observado é a estabilidade da ração, pois influencia não só no aproveitamento da ração pelos peixes, como também na qualidade da água de cultivo.
Uma maneira bem simples para se avaliar a estabilidade de uma ração é adicionando uma pequena quantidade de ração em um recipiente com água limpa. Aguardar de 5 a 10 minutos e após este período, observar as características da água. Uma ração de boa qualidade permanece flutuando na superfície após 10 minutos, sem turvar a água.
Estar sempre atento às condições da água dos viveiros ou tanques: pH, temperatura, transparência, amônia e oxigênio dissolvido; bem como ao comportamento dos peixes é fundamental para adequar o fornecimento de ração aos peixes.
Papel do tratador
Neste sentido, o tratador assume papel essencial, pois é com base em suas observações e anotações diárias que será possível obter um ótimo desenvolvimento dos peixes.
A distribuição adequada da ração nos tanques é outro fator importante. É recomendado que a ração seja distribuída uniformemente por toda a extensão do tanque ou viveiro, para que a ração esteja disponível para um maior número de peixes, evitando assim a competição.
Ainda, a distribuição não uniforme de ração faz com que grande parte fique acumulada nas bordas e laterais dos tanques, provocando desperdício e baixo aproveitamento da ração pelos peixes, além de originar regiões de concentração de oxigênio dissolvido reduzida, devido ao acúmulo de ração não consumida.
Armazenamento
Os sacos de ração devem ser mantidos sobre estrados, em locais fechados, secos e bem ventilados, e afastados das paredes; ou em silos, no caso de rações compradas a granel.
A ração deve ser utilizada antes do término da data de validade, indicada pelo fabricante na embalagem.
É recomendável utilizar os sacos que já estão há mais tempo no depósito (os mais antigos, mais próximos da data de vencimento), bem como observar as informações contidas nos rótulos das embalagens. Ao observar qualquer anormalidade, o piscicultor deve buscar assistência técnica.
Considerações finais
A intensificação da piscicultura no Brasil já é uma realidade e para tanto, é necessário que a manutenção da qualidade da água dos sistemas de produção, associada à um manejo alimentar adequado sejam práticas essenciais a serem adotadas pelos produtores, para o desenvolvimento da sustentabilidade em aquicultura.
Assim, a piscicultura se tornará uma atividade fornecedora de alimento de alto valor nutricional, com geração de emprego e renda e contribuindo com a segurança alimentar dos consumidores brasileiros.
Acesse também nosso artigo: Aquicultura Sustentável não é uma tendência, é uma necessidade.
REFERÊNCIAS
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RIBEIRO, P. A. P., MELO, D., COSTA, L. S., TEIXEIRA, E. A. Manejo nutricional e alimentar de peixes de água doce. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2012.
SINDIRAÇÕES. Boletim Informativo do Setor. Março/2021.