Produtores que não se organizam para melhor conviver com os momentos de alta e baixa do ciclo pecuário escolhem pegar carona em um automóvel desgovernado.
Fundada em 2003, a TESLA revolucionou o mercado de automóveis ao tornar realidade carros que se locomovem sem a necessidade de motoristas, e mais, contam com índices muitos menores de acidentes, além de serem econômicos. Sua promessa de que os carros elétricos poderiam ser melhores, mais rápidos e divertidos de guiar foi cumprida.
Parte dessa tecnologia já é aplicada no campo, por meio de colhedeiras e plantadeiras autônomas, de robôs que ordenham as vacas e de vagões forrageiros que distribuem o trato e fazem a leitura dos cochos, mesmo em confinamentos, entre várias outras soluções.
Contudo, o principal fator de diferenciação de sucesso financeiro no campo ainda está no velho planejamento estratégico, que guia o produtor para as melhores tomadas de decisão.
A velha premissa que diz: para quem não sabe para onde ir, qualquer caminho serve – é aplicada diuturnamente em diversas propriedades rurais brasileiras.
O efeito disso é reflexo do tamanho da oportunidade produtiva ainda não explorada no país, onde a ineficiência, a falta de gestão e as decisões tomadas sem planejamento roubam um importante quinhão de nossa produtividade, e por consequência, de nossos esforços.
Ao contrário do que vemos no caso de sucesso da TESLA, o produtor que não aplica o planejamento em seu dia a dia, opta por embarcar em um carro velho desgovernado em uma ladeira. Acredite: o maior problema não está no carro em si, mas no piloto que literalmente não sabe o que fazer.
Ciclos pecuários
Os ciclos pecuários acontecem periodicamente e são marcados por momentos de alta e baixa do valor da arroba em consequência da famosa lei da oferta e demanda.
Em momentos de muita oferta de animais para o abate, pode haver um excesso de disponibilidade de carne no mercado, superando a demanda de consumo. Isso provoca a queda no valor da arroba, caracterizando o momento de baixa no ciclo pecuário.
Quando o contrário ocorre e a oferta é menor do que a procura, faltando carne para consumo, o valor da arroba sobe e caracteriza o momento de alta do ciclo pecuário – momento pelo qual passamos em 2021.
Ocorre que até chegar a esses extremos, existe uma sequência de acontecimentos que conduzem o mercado para esses pontos. Com isso, temos já identificadas historicamente as principais variáveis que determinam para onde caminha o mercado.
E o ponto de partida para isso tudo está nos indicadores de margem da cria e abate de fêmeas. É a partir deles que se desencadeia a sequência de capítulos que marcam o ciclo.
As marcas mais relevantes do ciclo de mercado são:
1) A falta de bezerro no mercado leva a uma subida de preços, o que aumenta a margem da cria e a retenção de fêmeas;
2) Sem fêmeas para abater, o frigorífico aumenta o preço da arroba para tentar aumentar escala (chegamos no momento de alta);
3) Após isso, o produtor fica animado, produz mais bezerros e preço do bezerro cai (início da baixa);
4) Com o valor dos bezerros em baixa, a margem da cria cai e aumenta o abate de fêmeas;
5) Com muitas fêmeas para serem abatidas, somadas ao excesso de bezerros que chegam como boi gordo, o valor da arroba cai;
6) Muitas fêmeas abatidas reduzem a produção de bezerros. Sua falta faz o preço subir, iniciando o ciclo novamente.
O mais importante disso tudo é: se sabemos onde estamos dentro do ciclo e para onde vamos, por que não nos planejamos para passar por estes momentos da melhor maneira possível? É possível planejar para otimizar as oportunidades e se antecipar aos desafios.
Não se preparar para as regras do jogo impostas pelo ciclo pecuário é como andar pela rua de olhos vendados e rezar para não trombar em nada. Trata-se de uma atitude que nem o pai da psicanálise, Freud, explicaria.
Comportamentos do produtor diante do mercado
A história também nos aponta o comportamento esperado dos produtores para cada momento do ciclo.
Em momentos de alta, o produtor aumenta os investimentos na propriedade e no sistema, compra terras e aumenta rebanho, e com isso imobiliza o capital.
Em momentos de baixa, reduz o investimento, liquida rebanho (os que não sobrevivem à crise), diminui as fêmeas, e o produtor fica capitalizado.
O mais interessante disso é que nem sempre esse comportamento reflete uma boa decisão. Em 2020, aproximadamente 1,6 milhão de pessoas iniciou investimentos na bolsa de valores no Brasil, dobrando o número de investidores nesta modalidade no país.
Para essas pessoas, existe uma regra básica a ser seguida: vender na alta e investir na baixa das ações, pois é exatamente nesse intervalo de valores que está o ganho financeiro.
Interessante que a mesma premissa seja tomada pelos investidores profissionais em imóveis, que compram na baixa, por preços atrativos e vendem na alta, ganhando na valorização do imóvel. Este comportamento é observado em vários setores onde há investimentos.
Mercado: investir no próprio negócio
Neste contexto, o pecuarista profissional que opta por investir em seu próprio negócio, ampliando rebanho e áreas de pastagem, deveria se comportar como os demais investidores do mercado.
Não faz sentido um produtor comprar uma fêmea de reposição muito acima do preço em um momento de alta, para depois descartá-la, desvalorizada, em um momento de baixa.
Da mesma forma, as melhores oportunidades de compra de terra estão no momento de baixa, quando vários produtores deixam ou desistem da pecuária, seja por problemas financeiros, seja por falta de motivação.
Identificar o exato momento do ciclo e se antecipar a ele exige dedicação. É necessário ter um olhar atento ao mercado e um planejamento estratégico bem feito, e, isso consome o tempo do produtor e muitas vezes dinheiro, investido em consultorias.
Tecnologia, uma exceção à regra
A única exceção à regra, quando pensamos em ordem natural de investimentos de acordo com o momento do ciclo pecuário, são os investimentos em tecnologia e mão de obra.
Dados da Embrapa mostram que a tecnologia é responsável por cerca de 68% do incremento produtivo no Brasil e a mão de obra por outros 22%. Ou seja, buscar tecnologias que aumentam a produtividade ou reduzem custos, e capacitar sua mão de obra, além de reter talentos é o caminho para o sucesso produtivo.
Inseminação artificial
Hoje, uma prenhez fabricada a partir da inseminação artificial é significativamente mais barata do que a prenhez de um touro de raça pura em monta natural. E o resultado dela em termos de índices reprodutivos e produtivos é muito maior.
Com este exemplo, voltamos a questionar o porquê não usar essa técnica? Investir menos e colher mais é tudo que um pecuarista profissional deveria buscar.
Além disso, investir em tecnologia é uma decisão atemporal em relação ao ciclo, independentemente de suas decisões em ampliar ou reduzir matrizes e terras, a tecnologia deve ser vista como uma aliada.
Mas, devemos lembrar que o investimento em tecnologia no momento de alta é extremamente estratégico, pois ele pode preparar o pecuarista e o sistema para passar melhor pelos momentos de baixa.
Tendo em vista que em momentos de alta nossos olhos voltam ao ganho financeiro proporcionado pelo indivíduo, e no de baixa é a escala que garante o resultado satisfatório.