Lembro-me como se fosse hoje. Após a aprovação em um processo seletivo em umas das maiores empresas do agro no mundo, meu pai me dizendo:
“…Ué, você se ficou 5 anos na faculdade para se tornar vendedor?…”
Essa também era minha percepção. Mas, a necessidade do emprego cobria qualquer preconceito que eu pudesse ter com a função propriamente dita que eu fosse desempenhar no agro.
Mesmo não sabendo naquele momento que agrônomos, veterinários, zootecnistas e etc. viessem a executar funções comerciais.
Vendedor no agro, é a melhor alternativa?
Passados 16 anos dessa situação, hoje acredito ter sido uma das melhores escolhas da minha vida ter entrado na área comercial, como vendedor, para atender o agro. Contudo, isso poderia ter sido um desastre na minha vida. Ao meu ver, eu hoje me encontro naquela lógica da probabilidade de 50/50.
Mas, por que digo isso? Bem, durante a universidade, alguns pontos ficaram muito claros para mim, porém vou exemplificar apenas com dois:
1 – Os professores mostravam que o caminho das áreas técnicas eram os únicos descentes a se seguir e isso ficava claro em cada disciplina direcionada ao curso que avançávamos.
2 – A constante citação que ser vendedor nessa área do agro era literalmente sinônimo de ser picareta ou não ter encontrado vagas em outras áreas e acabou nesse caminho.
Para um jovem, que, assim como eu, não tinha referências na família de profissionais da área ou mesmo não tinha no círculo de amizades profissionais já estabelecidos no mercado, deixava as palavras dos professores como a única referência correta a ser seguida.
Na faculdade, como o mundo é vivido em torno de departamentos separados, a veia técnica se aflora. Isso é muito bom, pois, independente do ramo a ser seguido, todos estão ali para se tornarem engenheiros agrônomos.
Vivência na prática como vendedor no agro
Mas, em muitos e muitos casos, a grande maioria dos professores nunca esteve de verdade no jogo, ou seja, tiveram uma vida toda acadêmica.
O mercado de trabalho é muito mais complexo do que parcelas de 1×1 m e laboratórios para fungos, bactérias e etc. Dessa forma, não conseguem entender a realidade visando orientar os alunos se não nunca viveram essa realidade.
Essa afirmação é muito forte, porém representa muito a realidade. Claro, sabemos que a base do desenvolvimento do agro que temos hoje se deu em grande parte na pesquisa.
Porém, ela poderia ter sido muito mais eficiente se de fato entendessem as necessidades reais de quem está no campo de batalhas. Sei também que muitos entendem, mas é a minoria e ponto final.
Se entendessem tão bem esses pontos, a primeira coisa que já teria mudado há muito tempo teria sido o calendário escolar de um agrônomo. Afinal, principalmente àqueles cursos que estão em regiões de cerrado, qual é a lógica de termos férias em julho?
Quando digo isso, é no sentido de quem vários alunos usam, ou deveriam usar, essas férias para estágios extracurriculares.
Para quem entende do negócio, de verdade, sabe que numa época dessas nada ou quase nada interessante está acontecendo dentro de uma fazenda.
A não ser colheita de milho safrinha (que é uma realidade recente na maior parte do pais) e aplicações de corretivos e fertilizantes a lanço.
Calendário errado
Então, os calendários escolares de universidades de agronomia já está errado, pois deveriam acompanhar o calendário agrícola. Então, é claro que haverá discriminação em alunos se tornarem um vendedor.
Desde que me formei, para um agrônomo se manter no mercado de trabalho como vendedor (o que no mercado chamamos de RTV, ATV, SC e muitas outras siglas), o “cara” tem que ser bom.
Isso porque poucos entendem a complexidade dessas cadeias e o grande entendimento que esse profissional precisa ter para, além de fazer o posicionamento técnico do produto, ainda consiga levar as melhores soluções do ponto de vista econômico, que no final das contas é literalmente onde o “bicho pega”.
Vendedor no agro na área de fertilizantes
Tomemos como exemplo meu ramo de atuação: os fertilizantes!
Me contem aqui, quais de vocês que, na faculdade, tiveram acesso à informações como: principais países produtores? quais são os principais elementos produzidos por cada país? como é realmente uma logística de abastecimento com esse tipo de produto? como é a sazonalidade de compra e venda real no mercado? E por aí vai….
Eu não tive nem de perto. O máximo que tive foi uma conta no quadro negro sobre o que são os NPK´s e algumas formulações comerciais.
E volto a enfatizar. Sabe por que não temos ou não tem até hoje? Porque não sabem a real necessidade do mercado.
Exemplo real e prático no agro
Vou contar uma passagem que aconteceu comigo, e deixará bem claro o que é ser um vendedor no agro:
– Certa vez, eu visitava um grande grupo produtor de dendê, no interior do Pará, onde, por coincidência, o coordenador técnico era formado na mesma universidade que eu e era a pessoa responsável pelos atendimentos aos fornecedores.
Ao me receber, após alguns minutos, percebi que ele tinha dois de seus dedos com grandes feridas e eu perguntei se estava com algum problema e ele respondeu assim:
“…A não, isso aqui acontece nos momentos de grande estresse comigo. Mas assim que acabar o plantio os estresses diminuem e as feridas somem. E por falar em estresse, você vive limpo, viajando por todo canto, dormindo em grandes hotéis e não tem o sofrimento e a quantidade de pressão que sofro aqui. Por acaso, não conseguiria me indicar à uma vaga de vendedor na sua empresa?…”.
Aquilo me mostrou primeiramente que, assim como os professores, outros agentes da cadeia também tinham certo preconceito com a profissão de vendedor, por achar que não fazem nada e vivem de enganar produtores. Mas, no caso desse meu amigo, era uma oportunidade de, assim como ele mesmo pensava, viver uma vida sem estresse.
Por uma grande coincidência, eu acabei saindo dessa empresa e indiquei esse meu amigo à vaga. Ele acabou sendo aprovado no processo seletivo e, menos de um anos depois, nos encontramos em um restaurante e a história foi curiosa.
Vendedor no agro: não é para qualquer um…
Nesse dia, esse meu amigo não estava com dois dedos com feridas e sim com os 10 dedos da mão, uma fisionomia abatida e cansada, foi quando pergunte:
– Nossa, o que aconteceu com você? Está tudo bem? O que tem nas mãos?
Resposta dele:
– Nossa, eu achava que vendedor não fazia nada. Em toda minha trajetória como coordenador técnico numa tive mais do que dois dedos acometidos com feridas por estresse e, em menos de um anos, estou com os 10 nessa situação por conta da pressão e estresse.
Essa história real, mostra como o mercado enxerga os profissionais da área comercial nesse país. Todavia, não digo isso pelo fato de estar nesse elo da cadeia. Mas, por profundo conhecimento de causa e vivência:
Aqui não é para qualquer um!
Confira também nosso outro artigo: Logística e o impacto nos fertilizantes.